O Retrato do Velho

Roberto Biluczyk
Mestre em História – PPGH-UPF

O sul-rio-grandense Getúlio Vargas governou o Brasil de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Durante os primeiros quinze anos de seu governo, passou por diversos estatutos – de revolucionário a governante provisório, de presidente legítimo a ditador. Em busca de legitimação, Vargas concedeu aos trabalhadores uma série de direitos até então inéditos no país, como o salário mínimo e as leis trabalhistas. Sua estratégia política envolvia a antecipação do governo às reivindicações e movimentos populares que poderiam desestabilizar o status quo com justos pedidos de melhorias. 

Durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945), Getúlio projetou sua imagem pessoal através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). No entanto, percebe-se que, por mais que o presidente tenha insistido com a difusão de sua faceta paternalista – “O Pai dos Pobres” –, propagandas vazias dificilmente salvam governos inertes. Assim, suas obras foram fundamentais para consolidar sua imagem frente à população brasileira.

Em 1945, o governo de Getúlio Vargas começou a se desgastar. Os militares se afastaram aos poucos de seu lado, promovendo futuros presidenciáveis para as eleições. A censura, expediente ativo durante o Estado Novo, também afrouxou sua atenção em relação à oposição. Em apoio a Getúlio, porém, estava grande parcela dos trabalhadores urbanos, que temia perder as melhorias conquistadas através de Vargas. Apesar do esforço daqueles que defendiam o presidente, Vargas foi deposto em outubro de 1945. Às vésperas da nova eleição, Getúlio manifestou seu apoio a Eurico Gaspar Dutra, um general que vinha em uma campanha sem expressão. Dutra acaba por se eleger, aproveitando-se também de conflitos enfrentados pela oposição, personificada no brigadeiro Eduardo Gomes. 

Getúlio Vargas é eleito senador e deputado federal por vários estados e vários partidos, uma vez que a legislação, ainda não tão bem formulada, permitia tal ação. Afinal, exerce o cargo de senador pelo Rio Grande do Sul, não se fazendo muito presente no Rio de Janeiro, capital federal, voltando a residir em sua fazenda em São Borja/RS, onde recebia periodicamente políticos para aconselhamentos e projeções eleitorais.

Em 1950, já rompido com Dutra, Vargas se torna novamente um nome viável para concorrer ao cargo de Presidente, sendo apoiado inclusive por alguns setores que ajudaram a tirá-lo do poder anos antes. Para sua nova campanha, tornou-se popular a difusão de uma marchinha de carnaval, que lhe serviu de jingle, “Retrato do Velho”, música composta por Haroldo Lobo e Marino Pinto, interpretada pelo carioca Francisco Alves. Alves, também conhecido como Chico Viola e Rei da Voz, era um renomado cantor da época. Apesar de, em 1930, ter emprestado sua voz para a campanha de Júlio Prestes, gravando o jingle “Seu Julinho Vem”, vinte anos mais tarde cantava festivamente: “Bota o retrato do velho outra vez/Bota no mesmo lugar/O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”. Conta-se que Vargas não ficou feliz em ser chamado de velho. Mesmo assim, a música foi um sucesso de público, que logo associou seus versos ao antigo mandatário. Durante o Estado Novo, retratos de Getúlio Vargas eram peças obrigatórias em repartições públicas.

Getúlio Vargas não concluiria o segundo mandato, após uma séria crise política que o conduziria ao suicídio, em 1954. Por sua vez, Francisco Alves encontraria a morte de forma trágica, aos 54 anos, em um acidente de carro, em 27 de setembro de 1952. De acordo com O Nacional, naquele ano, o cantor teve uma rápida passagem por Passo Fundo, apresentando-se no Cine Teatro Coliseu, em evento promovido pela Rádio Passo Fundo, em 4 de agosto.

O legado artístico de Francisco Alves e a comoção popular pela perda do ídolo musical fizeram com que, em Passo Fundo, o cantor fosse homenageado com o nome de uma rua, na Vila Rodrigues. Os logradouros que rememoram o cantor e o presidente se cruzam em um local de considerável fluxo de pessoas e veículos, no referido bairro.

 

Francisco Alves (à esq) e Haroldo Lobo pendurando na parede, o “Retrato do Velho”, Getúlio Vargas. Fonte: Jornal GGN