Copa do Mundo, guerra e política em Passo Fundo (1950)

Em maio de 2013, o Brasil está às vésperas de sediar a Copa das Confederações e, em breve, a solene Copa do Mundo de futebol! O assunto envolve bastante polêmica, muitos acreditam que tanto dinheiro público investido nesses eventos terá retorno pífio à população brasileira, outros, por sua vez, creem que a realização de tais competições colocará o país em um novo patamar internacional. Mas Copa do Mundo no Brasil, não é coisa inédita.

Entre 24 de junho e 16 de julho de 1950, o Brasil sediou a quarta edição do evento futebolístico que teve a participação de treze seleções: Bolívia, Brasil, Chile, Espanha, Estados Unidos da América, Inglaterra, Itália, Iugoslávia, México, Suíça, Suécia, Paraguai e Uruguai (Escócia e Turquia desistiram). Sobre esse torneio se imortalizou no imaginário brasileiro o “Maracanaço”, ou seja, a derrota brasileira na final da competição por 2 x 1 contra o selecionado celeste oriental do Uruguai, que se sagrava tricampeão, no estádio Mário Filho (Maracanã), no Rio de Janeiro, diante de cerca de 200 mil espectadores.

No entanto, a edição da copa de 1950 ultrapassou qualquer barreira de um evento esportivo, pois o contexto da época aludia a uma atmosfera carregada de tensões. Além da cobertura jornalística acerca do evento mundial de futebol, os noticiários da época abordam grande preocupação com outros dois temas: guerra e política. A primeira copa no Brasil se realizava em um clima de reconstrução mundial, após o holocausto da segunda guerra (1939-45), mas igualmente de crescente apreensão com a iminência de uma nova batalha intercontinental, conforme salienta a manchete de capa de “O nacional”, de 12 de julho de 1950: “A Terceira Guerra – é a perspectiva dominante no Brasil – novos recuos dos americanos – tomadas pelos comunistas das localidades de Yongi, Chongju e Cho-Chin-Kwon”. A notícia se referia às ações bélicas da guerra da Coreia (1950-53), no período inicial da guerra fria (1945-91), que oporia o modelo comunista da então União Soviética, seguido pelos norte-coreanos, ao capitalismo dos Estados Unidos, adotado pelos sul-coreanos. Era o mundo bipolarizado entre as duas superpotências, EUA e URSS.

Notícias sobre o gaúcho Getúlio Vargas (1882-1954) também movimentavam as redações da época. Em julho de 1950, pairavam dúvidas sobre a sua elegibilidade nas eleições de outubro daquele ano. Vargas foi presidente da república brasileira entre 1930-45, sendo que nesse período não fora eleito pelo voto “popular” e nos últimos 8 anos de legislatura implantara a ditadura do Estado Novo que findou com a sua renúncia em outubro de 1945. Políticos da reacionária União Democrática Nacional (UDN) e do Partido Social Democrata (PSD) se digladiavam sobre a legalidade do retorno à presidência por vias democráticas do então senador Getúlio Vargas. Mais tarde a popularidade do são-borjense foi decisiva para sua vitória nas urnas dando início ao seu último mandato, interrompido com o suicídio cometido em agosto de 1954.

As preocupações com a guerra e a política da época eram amenizadas quando se noticiava o futebol, mas não somente sobre a copa do mundo que se realizava no Brasil, mas também o futebol do interior gaúcho. Em Passo Fundo, o noticiário esportivo de “O Nacional” trazia informações dos jogos do torneio mundial realizado nas cidades de Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, ao mesmo tempo em que dava grande destaque aos torneios interioranos de futebol no Rio Grande do Sul. Os citadinos e os inter-regionais noticiados pelo periódico desta cidade contavam com a participação de agremiações como o Grêmio Esportivo 14 de julho e o Sport Clube Gaúcho de Passo Fundo, o Grêmio Esportivo Pedro Osório (GEPO) de Tupanciretã, o Esporte Clube Nacional de Cruz Alta, o Clube Esportivo e Recreativo Atlântico de Erechim, o Football Club Riograndense de Rio Grande, entre outras equipes.

Como se vê, futebol, guerra e política, temas que tanto despertam interesses da sociedade, estavam em ebulição em 1950, ano da realização da Copa do Mundo no Brasil. Em 2013, os mesmos três temas seguem correntes na pauta jornalística. A comunista Coreia do Norte discursa afrontivamente contra os Estados Unidos e a Coreia do Sul, ameaçando-os com um conflito nuclear de temerosas proporções. O futebol do interior do Rio Grande do Sul segue prestigiado por boa parte do povo gaúcho, embora os porto-alegrenses Grêmio e Internacional tenham se agigantado perante qualquer clube do interior do estado. A presidente da república brasileira, Dilma Rousseff, lembra vivamente que o país é a sexta economia mundial, apesar da estupenda má distribuição de renda persistir. Tais reflexões que controvertem eventos passados ao presente consistem na prazerosa tarefa dos historiadores, dos pesquisadores e, sobretudo, dos cidadãos críticos.

Fabiano Barcellos Teixeira
Professor Mestre em História (UPF)