O ataque da ditadura militar a empresas privadas: o caso Panair

Roberto Biluczyk
Mestrando em História – PPGH-UPF

A ditadura militar, instalada a partir de abril de 1964, causou uma série de transformações no cenário político, econômico e social brasileiro. Os militares justificavam suas ações pela contrariedade em relação ao governo João Goulart, deposto por eles, ao qual atribuíam características comunistas, mesmo que Jango estivesse bem longe de adotar essa ideologia.

O efeito imediato mais evidente da ditadura militar foi a supressão da democracia pelos vinte e um anos seguintes. Durante este período, os militares perpetraram inúmeros atos contra seus opositores. Algumas dessas práticas ainda são pouco conhecidas pela população, a exemplo do ataque dos ditadores a empresas privadas cujos interesses não estavam plenamente afinados com seu ideário.

Uma das mais importantes empresas atacadas foi a Panair do Brasil, principal viação aérea do período, fundada em 22 de outubro de 1929 como uma subsidiária da companhia estadunidense PanAm. Sinônimo de qualidade, a Panair foi comprada em 1961 por dois empresários brasileiros: Celso da Rocha Miranda (1917-1986), do ramo de seguros, e Mário Wallace Simonsen (1909-1965), atuante em dezenas de negócios.

A compra da Panair por Miranda e Simonsen descontentou especialmente sua principal concorrente, a Viação Aérea Rio-Grandense, conhecida comercialmente como Varig. A ambição da Varig, segundo pesquisadores, era ter absorvido a concorrente para, enfim, dominar o mercado da aviação brasileira. Naquele 1961, a empresa já tinha adquirido uma outra rival, a Real Transportes Aéreos.

Sob os cuidados dos empresários brasileiros, a Panair seguiu suas operações normalmente, conservando seu legado de grande empresa. No entanto, em 10 de fevereiro de 1965, uma súbita ordem do governo militar suspendeu as atividades da companhia, deixando mais de cinco mil pessoas sem conhecer seus futuros profissionais. O motivo alegado pelo governo seria a “irrecuperável situação financeira da empresa”, o que se mostrou uma inverdade. 

Na mesma noite, aviões da Varig já estavam preparados para atender os passageiros de voos internacionais da concorrente, observando os mesmos destinos e horários planejados pela Panair. Dessa forma, sugeriu-se que a empresa sul-rio-grandense já conhecia o destino de sua adversária, antes mesmo da própria companhia ser suspensa, quando buscava soluções para retomar suas atividades, sem sucesso. O pedido de concordata foi negado pelo judiciário e pelo governo, que proibiu posteriormente empresas aéreas de solicitarem recuperação judicial.

Dias depois, O Nacional repercutiria o esforço dos funcionários da empresa aérea em prol da continuidade de suas operações. À época, a Varig comunicou que contrataria funcionários da organização recém extinta, “em função de compromissos assumidos com o Governo Federal”, segundo anúncio publicado no periódico carioca Última Hora. Apesar disso, a companhia absorveu poucos trabalhadores da Panair, que teria, tempos depois, sua falência oficialmente decretada. A própria Panair arcou com as indenizações trabalhistas de seus funcionários, pagando-as em curto prazo e em dobro, mesmo diante da dilapidação de seu patrimônio pelos militares. 

Contrários à ditadura militar desde sua concepção, Miranda e Simonsen deixaram o país, rumo ao exílio. Simonsen não sobreviveu muito tempo ao ataque imposto às suas atividades. Em março de 1965, o empresário não resistiu a um infarto. Suas demais corporações sucumbiram pouco-a-pouco, a exemplo da TV Excelsior, em 1970. 

Nos anos 1970, os compositores Milton Nascimento (1942-) e Fernando Brant (1946-2015) criaram uma música rememorando a empresa. “Saudades dos Aviões da Panair” foi interpretada por Elis Regina (1945-1982) e prontamente censurada pelo regime, tendo seu título substituído por “Conversando no Bar”. 

O fechamento forçado da empresa foi retratado mais tarde por documentários e livros. A Comissão Nacional da Verdade também se ocupou da apuração dos acontecimentos relativos. O caso Panair evidencia que ninguém estava livre de sofrer retaliações dos militares que comandaram o Brasil entre 1964 e 1985.