Golpe Militar

31 de março de 2014

“Instituições em perigo!”: o golpe militar de 1964 na mídia impressa de Passo Fundo

Era março de 1964. O mundo acompanhava os desdobramentos da Guerra do Vietnã e o impasse diplomático entre os EUA e o Panamá, o Rio Grande do Sul fazia o balanço do primeiro ano de governo do Ildo Meneghetti (PSD) e Passo Fundo comemorava o início dos trabalhos do novo prefeito Mário Menegaz (PTB). Jornais locais anunciavam jantares dançantes no Turis Hotel e propagandeavam o lançamento dos Willis pick-up e sedan Aero, enquanto os três cinemas da cidade exibiam seções de filmes como Hong-Kong, Cleópatra e Ben-Hur.

O início de 1964 marcava também um delicado período político brasileiro. O Presidente João Goulart tentava implementar as reformas de base, que buscava reduzir as desigualdades sociais do Brasil a partir da ação do Estado, tendo como eixo a realização de mudanças estruturais calcadas nos setores educacional, econômico, fiscal, político urbano e agrário. As reformas, porém, alcançavam fortes resistências das elites brasileiras. Em 5 de fevereiro, O Nacional reproduzia em capa um artigo de jornal iugoslavo que tratava a situação brasileira como preocupante, prevendo que se continuasse no mesmo ritmo, resultaria em golpes de estado e assaltos ao poder.

O presidente promove em 13 de março um comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, onde assina o decreto que implementava a Superintendência para a Reforma Agrária (Supra) e revela que estavam em preparo a reforma urbana (que garantia a compra de imóveis para inquilinos) e propostas de mudanças nos impostos e concessão de voto aos analfabetos e aos quadros inferiores das Forças Armadas. Planejado desde fevereiro, o comício recebia atenção diária da imprensa. No dia do comício, O Nacional apresenta reportagem de capa retratando que era de calma a situação vivida pela população de Passo Fundo que, apesar de manter-se informada sobre as notícias vindas do centro do país, encontra-se mais preocupada com seus afazeres diários. No entanto, enquanto o centro da cidade amanhecia com pichações a favor das medidas governistas, a Associação Rural aconselhava a formação de grupos de vigilantes do campo para intervirem em quaisquer tentativas de invasões de terras.

Mesmo com o revelado apoio do Congresso Nacional pela aprovação das reformas na data posterior ao comício da Central do Brasil, notícias sobre formação de grupos de agitação e posições subversivas ao governo tomam a pauta das edições seguintes da imprensa local. Sem prever os acontecimentos imediatos vindouros, em 31 de abril, a imprensa nacional divulga pronunciamento oficial do presidente solicitando aos quadros das forças armadas que mantenham à disciplina e o respeito mútuo (em resposta à crise na marinha deflagrada na semana anterior) e que os parlamentares federais fossem sensíveis ao povo brasileiro. Ao mesmo tempo, divulga sua agenda de eventos para a semana em curso. Nota do Ministério da Justiça tratava como calma a situação nacional.

Todavia, a edição de O Nacional do dia 1º de abril destacava em letras de formato incomum os acontecimentos ocorridos na madrugada do dia anterior: “Instituições em perigo!” é o título da matéria que ocupa a capa da edição, discorrendo sobre a situação incerta do país devido à intervenção político-militar desencadeada em diversos Estados e a tentativa do governo de reestabelecer a ordem constitucional. Em Passo Fundo, a situação continuava de calma e ordem, apesar da conclamação dos sindicatos das indústrias locais por greves gerais em favor da presidência, a reunião dos estudantes para tomada de posição pró-janguista e a realização de reunião extraordinária na Câmara de Vereadores para examinar a situação nacional.

No dia seguinte, destacam-se notícias do retorno da normalidade ao país e da confirmação da saída de Jango do país. Em pequena nota é tratada a transferência temporária da sede do governo estadual para Passo Fundo. A contracapa encerra-se com uma carta do Governador Ildo Meneghetti conclamando os cidadãos a organizar a resistência democrática “nesta hora trágica e ao mesmo tempo gloriosa”, apoiando a intervenção necessária no governo para eliminar o perigo da instalação de uma ditadura comunista.

Enquanto isso em Passo Fundo continuavam as exibições cinematográficas nos três cinemas locais e os jantares dançantes no Turis Hotel...

Ricardo Telló Dürks
Graduado em História - UPF
Fonte: Acervo AHR
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