Passo Fundo após a morte de Getúlio Vargas: o caso do Aspirante Jenner

Alex Antônio Vanin e Roberto Biluczyk
Mestrandos em História – PPGH-UPF

O segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954) foi marcado por contradições e conflitos. De um lado, um presidente acostumado a mandar de maneira direta, resultado dos quinze anos em que ficara no poder, mostrava-se desta vez viabilizado por uma experiência democrática, com a qual não soube lidar. De outro, a ferrenha oposição a ele imposta, personificada pelo jornalista e político Carlos Lacerda proprietário do jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro. Em meio a isso tudo, o povo e o imaginário construído sobre Getúlio, especialmente durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945).

Mapa enfatizando o cruzamento das avenidas Aspirante Jenner e Presidente Vargas, em Passo Fundo. Mapa elaborado por Alex Antônio Vanin.

Vargas procurou manter os trabalhadores urbanos como sua principal base de apoio. No entanto, o contexto de sua segunda experiência como presidente era diferenciado, marcado pela efervescência de novas ideias junto ao movimento sindical. Além disso, a economia mostrava sinais de desgaste, refletindo diretamente na qualidade de vida e no poder de compra da população, tornando eventuais medidas no campo econômico, alvos de críticas, especialmente pela imprensa e pela UDN, principal partido de oposição ao presidente.

Em 1954, os ânimos estavam tensos na Capital Federal. No início de agosto, uma ação visou o assassinato do jornalista Carlos Lacerda. No ato, Lacerda foi ferido com um tiro no pé, enquanto o oficial da Aeronáutica Rubens Vaz foi morto. Imediatamente, associou-se o atentado ao presidente, intensificando o desgaste de Vargas no poder. O cerco ao presidente foi se apertando, especialmente quando as Forças Armadas passaram a exigir sua renúncia.

No dia 24 de agosto de 1954, pela manhã, Getúlio Vargas tirou a própria vida. Deixou, entretanto, uma carta-testamento, onde explicava suas razões para o ato extremo, responsabilizando grupos internacionais e inimigos internos. A carta coloca Vargas como vítima de elementos pouco populares naquela sociedade. 

Como consequência à morte do presidente, a comoção popular se fez, com as massas urbanas liderando protestos contra as representações diplomáticas estadunidenses e contra veículos da imprensa de viés opositor, apontados como responsáveis à ocasião, fazendo uso da força em meio ao despertar da revolta nas mais variadas cidades do país. 

Em Passo Fundo, não foi diferente. Horas após o suicídio de Vargas, à noite, a população, revoltada com a perda de seu líder, se voltou contra um dos órgãos de imprensa local, que possuía a redação localizada na região central da cidade. O proprietário do referido jornal era declaradamente contrário à política de Vargas, o que tornou o prédio da redação alvo da fúria das massas. A Brigada Militar, na tentativa de conter os ânimos e proteger o patrimônio da empresa jornalística, foi chamada a intervir na situação. 

Por volta das 20h, em meio ao confronto, o jovem aspirante a oficial Jenner Saldi de Oliveira Leite, membro da Brigada Militar, foi fatalmente atingido por um tiro de revólver de origem desconhecida. A morte do policial, de 25 anos de idade, causou comoção nos meios militares estaduais, em especial por sua juventude e destacado desempenho em suas funções, o que lhe proporcionou uma promoção post-mortem a segundo-tenente, dias mais tarde. Natural de Dom Pedrito, Jenner encontra-se sepultado na cidade de Porto Alegre.

Meses depois, foi conferido em sua homenagem o nome de uma rua, hoje uma importante avenida dos bairros Lucas Araújo e Santa Maria, a Avenida Aspirante Jenner. Coincidentemente, a referida via se cruza com a Avenida Presidente Vargas (junto ao Instituto Estadual Cecy Leite Costa), essa última até então denominada Avenida Mauá, renomeada no ano posterior à morte de Getúlio em honra ao ex-presidente.

Este texto foi produzido através de pesquisas realizadas junto ao Arquivo Histórico Regional (AHR), localizado no Campus III da Universidade de Passo Fundo (UPF), com acesso pela Avenida Brasil Oeste, nº 743, em Passo Fundo/RS. O AHR disponibiliza revistas, jornais e documentos da referida época para consulta local.