Os caminhos da fé católica...

A pluralidade étnico-cultural de Passo Fundo é marcante desde os primeiros anos de colonização. Indígenas, caboclos, portugueses e outros grupos de imigrantes europeus e, mais recentemente, africanos, têm nos propiciado um cenário diversificado, dinâmico e rico. Junto aos hábitos, valores, conhecimentos, formas de organização, os habitantes que conformaram Passo Fundo também trouxeram elementos de sua religiosidade, de sua fé. Esta fé transmuta-se em práticas religiosas também plurais e compósitas – passíveis de conhecimento e análise por meio dos acervos de comunicação e documentais do Arquivo Histórico Regional.

No cenário das manifestações religiosas católicas locais há destaque para duas caminhadas da fé que acontecem entre setembro e outubro – respectivamente a Romaria e Festa em Honra a São Miguel Arcanjo (cuja data comemorativa é 29 de setembro) e a Romaria Arquidiocesana de Nossa Senhora Aparecida (12 de outubro). Neste ano as homenagens a São Miguel celebraram 144 anos – número expressivo para uma festa iniciada na então localidade do Pinheiro Torto, em terras do juiz de paz citadino, Bernardo Castanho da Rocha, pelo grupo de afro descendentes encabeçado por Generoso e Isaías – pai e filho que retornavam da Guerra do Paraguai (1864-1870). No caminho de regresso do conflito acabaram encontrando e trazendo uma imagem do arcanjo das imediações da antiga redução dedicada ao anjo guerreiro e defensor dos oprimidos, a mesma que hoje é venerada na Capela São Miguel. O culto foi então iniciado e ampliado para festa e romaria nos anos posteriores. Atualmente a romaria de São Miguel é organizada pela Paróquia São Vicente de Paulo, de modo diverso ao início das festividades, quando estivera a cargo da comunidade do Pinheiro Torno. A Romaria e Festa estão consolidadas e também, em partes, valorizadas e preservadas. A Capela de São Miguel – a terceira construção realizada no atual distrito do Pulador para abrigar a imagem do arcanjo – foi tombada como Patrimônio Histórico do município (Lei 2696/1991).

Já a Romaria Arquidiocesana iniciou no contexto da criação da lei que regulamentou o feriado dedicado à Padroeira do Brasil em 1980 (Lei 6.802), assinada pelo então presidente Gen. João Batista Figueiredo. Neste mesmo ano foi iniciada uma caminhada no interior do Seminário Diocesano de Passo Fundo em honra a padroeira (a Diocese foi elevada à Arquidiocese em 2011). No ano seguinte, com autorização eclesiástica, foi realizada a 1ª. Romaria Diocesana de Nossa Senhora Aparecida, prática esta que acresceu em trajeto, público e atividades – Romaria das Crianças e Cavalgada da Fé, por exemplo -, até consolidar o caminho percorrido nos dias atuais, com saída da Catedral Arquidiocesana e chegada ao agora Santuário de Aparecida, em cerca de 7 Km de caminhada.

As romarias aqui destacadas, que não esgotam as manifestações religiosas da cidade e nem são representativas de todas as matrizes religiosas aqui instaladas, sublinhamos, evidenciam o investimento de fé que romeiros da cidade, região e outras localidades têm realizado tanto para agradecimentos quanto para súplicas e promessas. Sua força mobilizadora é evidente, assim como a constituição de ambas as manifestações como patrimônios imateriais locais de amplo apelo coletivo. As romarias são um recurso de fé, certamente; mas também o são um recurso identitário, instigador de memórias e histórias. São patrimônios, bens coletivos que, para além do valor cultural amplo, marcam a individualidade de cada um dos caminhantes da fé.

Profa. Gizele Zanotto (PPGH/UPF)
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