Dona História

21 de junho de 2012

Quot dies – O COTIDIANO E A DONA HISTÓRIA

A Dona História parece que fica falando de datas e pessoas mortas que não tem nada a ver com a gente. Ela falava o que acontecia com os outros, aqueles que ficavam com seus nomes registrados nos livros, nos monumentos, com os reis e suas coroas -aqueles que ficam numa espécie de Olimpo. Mas a Dona História foi além, alteraram-se os seus limites e ela foi ficando cada vez mais perto da gente. Contando casos vividos por personagens que lembram alguém, ou algo que poderia ter acontecido com nós mesmos. A História está mais familiar, mais próxima, pois somos nós que a construímos, todos os dias. Se os grandes fatos e as pessoas consideradas importantes ajudam a entender a trajetória dos homens num tempo; os pequenos fatos, a história dos objetos e dos costumes também nos possibilita o entendimento da vida e os homens de modo mais complexo e completo. 

Quem pensaria, tempos atrás, que um pequeno hábito corriqueiro como o de acessar a internet, ler um jornal ou até mesmo escovar os dentes poderá mudar o entendimento de nossa época.  Com a renovação dos aportes de análise da história, os sujeitos, os costumes tiveram outro lugar e propuseram à dona História novos problemas, novas abordagens e novos objetos de estudo. Desta maneira, os jornais passaram a ser considerados adequados para a “recuperação” e análise do passado. Chamados também “enciclopédia do cotidiano”, eles contém registros do presente, realizados sob o impulso dos interesses, compromissos da época e das paixões que se revelavam nas páginas dos periódicos.

O jornal A Época, cujo acervo que se encontra no Arquivo Histórico Regional, foi um elo importante na corrente de periódicos que se desenvolveu e que assumiu um papel relevante como instrumento de comunicação, de divulgação e de difusão de conhecimentos em Passo Fundo, durante as primeiras décadas do século XX. Desde 2007, as edições semanais de 1921-1922 estão salvaguardas. Através desse instrumento de pesquisa podemos conhecer alguns aspectos da sociedade urbana de Passo Fundo daquela época. Suas páginas amareladas e envelhecidas nos revelam peculiaridades que a memória acabou por apagar, momentos tão corriqueiros e simples que em geral são esquecidos. Hoje em dia um beijo na rua pode até mesmo ser normal, mas para os padrões dos anos 1920 não seria assim tão banal. Esse tema foi explorado pelo jornal em matéria intitulada “BEIJOS E ABRAÇOS EM PLENA RUA”(A ÉPOCA, 05 de fevereiro de 1922), isso mostra as ideias e os valores que mobilizavam as pessoas naquela época. Um beijo em praça pública foi importante o suficiente para figurar nas páginas de um jornal.

A vida social não era deixada de lado, havia uma seção intitulada  “Sorrisos e Flores”, onde estavam descritos os noivados,  os aniversários, os casamentos (enlaces) e os nascimentos. Na seção “Lágrimas  e Prantos”  eram noticias informações sobre falecimentos e sepultamentos. A vida estudantil tinha também o seu lugar no jornal. As notas dos exames finais com o nome do estudante e da instituição de ensino eram classificadas em três categorias: distinção, aqueles que atingiam notas mais altas; plenamente, notas medianas; e os que haviam reprovado. Com tal recurso, ficava difícil omitir o desempenho escolar dos pais...

De origem latina, a expressão quot dies, cotidiano, significa um dia e todos os dias – a expressão designaria o que acontece em um dia, ou todos os dias. O estudo do cotidiano por meio dos jornais apresenta informações sobre o dia a dia, sobre as pessoas - como de aproximavam ou se afastavam, como ela compartilhavam seus valores ou mesmo os contestavam. Estudar o cotidiano, portanto, vai além da observação do coloquial, perpassa a compreensão das regulamentações explícitas e implícitas de uma sociedade, seus modos de organização, suas demandas, anseios e reivindicações, seus valores, enfim, sua cultura. Tais questões cada dia mais são valorizadas pela Dona História, que não deixou de observar os grandes fatos, mas que também passou a dar mais atenção ao cotidiano, às pessoas, à nós, cidadãos.

Ariella de Albuquerque
Acadêmica do Curso de História
Fonte: Acervo AHR
* Os artigos expressam a opinião de seus autores.