Futebol é guerra!

Em mais um dia de pesquisas no acervo de Comunicação Social do AHR me deparo com uma notícia intrigante: 10 mortos e 100 feridos num conflito por futebol, na Turquia (O Nacional, 26/07/1969). Sem desviar o foco da pesquisa que me mobilizou a consulta aos jornais da década de 1960, segui com o folhear dos periódicos. Pouco depois eis que outra manchete chama a atenção: Rumores de conflito armado entre Honduras e El Salvador (O Nacional, 30/07/1969), conflito esse que teria iniciado em razão de partidas de futebol. Ante duas notas informativas sobre conflitos relacionados ou iniciados em eventos esportivos, eu não poderia mais ignorar o fato de que em 1969 o futebol foi motivo de guerra!

Honduras e El Salvador, pequenas nações da América Central, viraram notícia ao iniciarem um confronto militar com a invasão dos salvadorenhos a Honduras em 14 de julho de 1969. Certamente que os fatos que tiveram como estopim os jogos de futebol entre El Salvador e Honduras, nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970, não foram originados nos campos. O contexto de crise econômica e instabilidade política vivenciado pelas duas nações centro-americanas, vizinhos com relações tensas há tempos, aguçou em tal medida os ânimos dos cidadãos de seus países que um conflito armado foi desencadeado. Em especial, a relação tensa com os salvadorenhos que viviam em Honduras fora ainda mais aguçada no início de 1969, quando o país implementou uma reforma agrária que foi um dos pretextos para expulsar os imigrantes do país e redistribuir terras para os cidadãos hondurenhos.

Em junho de 1969, durante os confrontos eliminatórios para a Copa do Mundo os jogos entre Honduras e El Salvador agitaram suas populações. A primeira disputa aconteceu em Tegucigalpa, capital hondurenha, no dia 08 de junho. O resultado final foi Honduras 1X0 El Salvador, tendo sido o motivador de um evento comovente: uma torcedora salvadorenha, Amélia Bolamos, não suportando a derrota da esquete nacional, se suicidou. O caso foi largamente divulgado pela imprensa e exacerbou o nacionalismo dos salvadorenhos. O jogo de volta em San Salvador evidenciou uma comoção nacional que levou a hostilizações a seleção e aos torcedores visitantes, gerando um saldo de dois mortos, dezenas de feridos e várias depredações em automóveis. Os mandantes venceram o jogo por 3X0 num clima tenso, marcado por queima de bandeiras dos rivais, desrespeito ao hino nacional hondurenho, violência e mortes após a partida. Além disso, o caso futebolístico não estava finalizado e um terceiro jogo, em campo neutro, foi marcado para definir de que país seria a vaga na Copa de 1970. A sede dessa partida de desempate foi a Cidade do México que, no dia 27 de junho, sediou a vitória de El Salvador por 3X2 – desempate obtido na prorrogação -, selando de vez a disputa para o mundial.

Dois dias antes da partida realizada no México, denúncias de genocídio foram apresentadas na ONU pelo governo salvadorenho. A violência entre salvadorenhos e hondurenhos continuava. Imigrantes de ambos os países sofreram com a atuação de grupos paramilitares e cidadãos enfurecidos até que, em 14 de julho, o exército de El Salvador invadiu Honduras, dando início ao conflito armado justificado como resposta às agressões e perseguições a salvadorenhos residentes no país vizinho.

A comunidade internacional iniciou de imediato as tratativas para cessar o conflito, conhecido como guerra do futebol. Em 01 de agosto O Nacional noticiava que os chanceleres da Guatemala, Nicarágua e Costa Rica participavam de mediações junto aos presidentes dos países em confronto. Poucos dias depois de iniciada a Guerra das 100 horas, a Organização dos Estados Americanos (OEA) conseguiu negociar um cessar fogo, que passou a vigorar em 20 de julho, quando as tropas salvadorenhas passaram a deixar o território hondurenho. Como saldo deste breve combate, temos um saldo de aproximadamente 2.000 mortos, muitos feridos, prejuízos materiais e psicológicos. O futebol foi um estopim para a guerra naquele tenso e crítico contexto sócio-econômico da Centro América de 1969; no ano seguinte, a seleção salvadorenha teve campanha vexatória na Copa do Mundo, sendo eliminada logo na primeira fase da competição. Saldo final dos confrontos esportivos e militares: nenhum vencedor.

Gizele Zanotto
Professora do Curso de História/UPF
Fonte: Acervo do AHR