Entre tambores e batidas segue o Batuque em Passo Fundo

Jeferson Sabino Candaten
Mestrando em História/UPF

O batuque, também conhecido como nação, é uma religião afro-brasileira que tem sua origem no Rio Grande do Sul em meados do século XIX. A matriz cultural jêje-nagô (iorubá) foi que exerceu maior influência na formação da religião dos negros no Estado. Contudo, a maioria das pessoas escravizadas trazidas à região era de origem banto. A religião foi organizada em subgrupos denominados nações. Cada nação se difere da outra a partir de aspectos relacionados a suas ritualísticas, entretanto, todas elas cultuam doze orixás, a saber: Bará, Ogum, Iansã ou Oiá, Xangô, Obá, Odé, Otim, Ossanha, Xapanã, Oxum, Iemanjá e Oxalá. A história batuqueira vive, ainda hoje, um dilema que é a imprecisão de dados sobre suas origens. Não há registros sobre as primeiras casas de culto, nem datas, nem locais. Provavelmente, os primeiros templos foram fundados na primeira metade do século XIX em Rio Grande ou Pelotas, locais de grande concentração de trabalhadores escravizados.

Ainda na primeira metade do século XIX, juntamente com Manoel José das Neves, chegou à região onde hoje é Passo Fundo uma população de escravizados. Que com eles teria vindo o batuque, é uma possibilidade. Contudo, o registro mais antigo que encontramos sobre a religião no município trata-se de uma notícia publicada no jornal O Nacional no dia 12 de maio de 1928: “Passo Fundo é incontestavelmente uma cidade progressista; tudo que é bom aqui aparece. Mas, como aparece o bem, também aparece o mau; foi assim que apareceu por aqui o Batuque. Quarta-feira à noite ainda houve na Rua Independência lá para os lados do quartel da Polícia uma rumorosa batucada. Chovia torrencialmente, mas quem andava naquelas zonas ouvia o batido monótono do tambor de folha, e, contam que dentro da casa, onde o tambor batia, um negro de quatro pés fazia esconjuros acompanhado por uma toada de ladainhas. O tal negro veio há pouco de Porto Alegre, onde a polícia perseguiu os adivinhadores, quiromantes, professores etc. Contaram-me que o negro é estupendo no seu batuque; entre outras façanhas faz concorrência aos advogados, consegue fazer qualquer cobrança de dívidas por mais difícil que seja. Numa roda alguém disse que o Delegado já deu uma batida nos batuqueiros, tendo proibido a sua continuação, Vamos ver se ele continua.”

 O autor do texto, que assina como J & Cia, apresenta o que denomina batuque com desdém e discorre sobre o assunto suscitando pré-conceitos e noções racistas, associando a religião à prática de “adivinhadores, quiromantes” que, segundo o mesmo, teriam sido perseguidos pela polícia em Porto Alegre/RS. O jornalista dá indicativos de que a chegada do batuque a Passo Fundo era recente: “tudo que é bom aqui aparece. Mas, como aparece o bem, também aparece o mau (sic); foi assim que apareceu por aqui o Batuque”, relacionando o aparecimento do batuque na cidade com a vinda de um homem da Capital do Estado. O texto, de 1928, evidencia estigmas que recaem sobre os batuqueiros até hoje e demonstra como casos como aquele eram tratados: “alguém disse que o Delegado já deu uma batida nos batuqueiros, tendo proibido a sua continuação. Vamos ver se ele continua.”, sugerindo que a “rumorosa batucada” que ecoava do interior de uma casa na Rua Independência numa quarta-feira chuvosa de 1928 e a “toada de ladainhas” que, possivelmente eram cânticos em língua(s) africana(s), seriam silenciados pela polícia local. 

Sobre a história do batuque em Passo Fundo somam-se mais perguntas do que respostas. Quem serão eles, se é que estes eram os primeiros batuqueiros? Que ritual foi aquele ocorrido na noite chuvosa de quarta-feira, dia que a depender da nação é atribuído aos orixás Xapanã, Oxalá Obokum ou Obá? A que nação pertencia aquela casa? E afinal, será que era mesmo o batuque ou uma outra manifestação afro-brasileira? Se a batida policial ocorreu de fato, não sabemos. E ao questionamento final da matéria “Vamos ver se ele continua”, temos uma resposta. Sim, o batuque continuou.