A Democracia e o “problema da carne” (Parte II)

Dois dias após a reunião dos ferroviários com o Dr. Nelson Ehlers, Prefeito Municipal, realizada no dia 11, os marchantes e a Prefeitura entraram em acordo. O Sr. Prefeito concedeu o aumento de 100 rs por quilo, no preço. A partir desse acordo, o preço da carne de primeira e de segunda, seriam respectivamente, 1$500 e 1$300. Porém, os ferroviários e simpatizantes do movimento discordaram do reajuste e prosseguiram com a greve. “Não se come carne até segunda ordem, isto é, até quando perdurarem os preços que os marchantes estipularam”, diziam os ferroviários. No mesmo dia, mais pessoas declararam apoio ao movimento ferroviário. A maioria dos hotéis da cidade excluiu de seus cardápios a carne, também em apoio ao protesto. Segundo o setor do movimento que controlava a venda do alimento nos açougues, nesse dia, o açougueiro conseguira vender apenas 1 quilo de carne.

Um novo “comício monstro” ocorre em Passo Fundo. Dessa vez, com a população em maior número apoiando a classe trabalhadora. Junto do povo, que estava de cartazes em punho, a banda musical da Brigada Militar seguiu da sede dos ferroviários até a praça, onde ocorreu o comício. Os oradores fizeram questão de relatar estatísticas sobre o abatimento do gado. Também foi tratado sobre o novo preço da carne verde, estipulado entre os marchantes – negociantes de gado para o açougue – e a Prefeitura. Afirmou-se o compromisso de não se consumir carne até que o preço fosse ajustado. Um dos oradores, o Sr. José Knoll, teve a palavra cassada por um Cel. Delegado de Polícia, ao questionar os esforços do Sr. Prefeito em resolver a situação da carne. Knoll supostamente estaria atacando verbalmente uma autoridade, o que não se permitia.

Os ferroviários e grande parte da população de Passo Fundo seguiam sem comer carne. A venda dos açougues era baixíssima. Após cinco dias de “grandiosa manifestação popular”, os marchantes cederam ao apelo ferroviário. Renegociaram, em reunião, o preço da carne verde. Por intermédio da Cooperativa, a classe trabalhadora poderia adquirir o alimento a 1$400 e 1$200. Um dia depois, a feliz notícia de última hora, Prefeitura e marchantes concordaram em estabelecer o novo preço para toda a população.

Enfim, o movimento liderado pelos ferroviários teve êxito. Foi “abraçado” pelo povo passo-fundense, que talvez, nem sofrera tanto assim com o reajuste do preço, mas juntou-se com aquela classe trabalhadora, que de fato não tinha mais condições de comprar o produto. Ou, então, muito mais gente daquele povo não aceitava adquirir o alimento por aquele preço, porém, precisavam de que algum movimento organizado tomasse a frente do protesto. E, um dos aspectos da democracia é esse: a representatividade. A sociedade precisa de sindicatos, organizações, que lhe represente.

E, a população precisa participar, se interessar, caso queira ver mudanças acontecerem. Nas próximas semanas, os ânimos se acalmaram e não se questionou mais o preço da carne verde, em Passo Fundo. Apenas uma nota saiu no jornal, informando que certo marchante, dessa cidade, havia sido multado por vender carne velha – 48 horas depois da sangria – em seu açougue. A multa, 100$000.

Jeferson Sabino
Graduando em História – UPF
Estagiário do AHR
* O AHR destaca que os artigos publicados nessa seção expressam única e exclusivamente a opinião de seus autores