Da festa ao funeral Festa de São Miguel

Gizele Zanotto – Historiadora PPGH/UPF

Na busca por informações sobre a Passo Fundo de outrora, nas páginas dos almanaques do cotidiano (jornais) citadinos, nos deparamos com informações sobre transporte, serviços, atendimentos, questões públicas da Intendência Municipal, artigos de opinião, mas também registros do cotidiano local. Na edição d´O Nacional datada do dia 01 de outubro de 1927, em meio aos registros da realização da festa de São Miguel, vislumbra-se o destaque dado a um acontecimento não condizente com o espírito devocional e festivo que é marca desta celebração religiosa e social. Com a participação de “numerosa multidão”, como salienta o autor do artigo, a festa se desenrolava normalmente até cerca de 16 horas, quando incidentes deram início a um “trágico desenlace”.

A festa em honra a São Miguel data do século XIX, quando teria iniciado por ação de membros da família Isaías, com base em uma estátua trazida da região das missões jesuíticas em 1871, segundo as narrativas. Desde então, anualmente a data dedicada ao santo (29 de setembro) teria mobilizado a comunidade para participar do evento religioso e festivo. Todavia, em 1927, o clima festivo foi alterado quando “um violento conflicto, de consequencias brutaes, veio fazer debandar precipitadamente a maioria do povo, trazendo a todos graves aprehensões”. 

O tumulto derivou de uma desavença entre praças do 2º. Batalhão do 3º. Regimento de Infantaria, aquartelado em Passo Fundo, e players do Sport Club Gaúcho – estes teriam sido os denunciantes do caso à polícia que fora então obrigada a intervir. Da intervenção policial teria iniciado um conflito entre forças municipais e do exército, evoluindo a situação para troca de tiros que geraram pânico entre os presentes, ferimentos em alguns e o falecimento do cabo da polícia municipal, Alcides Rodrigues, ferido na face por um tiro de revólver que o levou à óbito. O incidente culminou com tensões ampliadas que levaram Gervásio Annes, Sub-Intendente e Delegado de Polícia, a solicitar o aquartelamento e o não policiamento noturno da cidade para evitar novos conflitos. Da Intendência foi despachado um telegrama ao Presidente do Estado, Borges de Medeiros, relatando o ocorrido, informando o aquartelamento dos policiais para evitar atritos com membros do exército, e solicitando providências para normalizar a situação na cidade de Passo Fundo.

O tema continuou na pauta da publicação divulgada no dia 05 de outubro, tendo descritos alguns pormenores do conflito. No artigo “Ainda a tragédia de São Miguel” descreve-se o falecimento de Alcides Rodrigues e listam-se os demais feridos, com riqueza de detalhes aos ferimentos. Oswaldo Roesch, Argemiro Ramos da Silva, Avelino França de Oliveira, Octacilio Alves Paim foram os membros do 2º. Batalhão do exército que tiveram ferimentos durante a festa. Pelo lado das forças municipais foram lesados Antonio Pereira Fortes e Vicente Maciel dos Santos. Por fim, registra o artigo, o civil João Baptista dos Santos, jornaleiro, foi ferido com uma pedrada. A edição também destaca o restabelecimento do policiamento na cidade, após conferência entre o Intendente, Armando A. Annes, e o Major Vasco Antônio Lopes. 

Para além das notícias, os jornais da primeira metade do século XX eram os responsáveis pela socialização de informações pessoais que davam condições aos leitores e interessados para acompanhar também a vida privada de muitos cidadãos. Nascimentos, convalescenças, casamentos, viagens, agradecimentos e eventos fatídicos eram ali apresentados. Na festa de São Miguel de 1927 vimos questões privadas – entre jogadores e membros do exército - terem um desenlace trágico em um evento público de destaque na cidade que pôs frente a frente as forças policiais e membros do exército. Naquela festa, a celebração final não foi de júbilo, mas de pesar pelo falecimento de um policial e pelo ferimento de vários outros envolvidos. Naquele ano, não foram as enchentes de setembro que deram o tom das comemorações. Desta vez a festa findou no cemitério.