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Pandemias e epidemias na história: reflexos sociais imediatos e duradouros

08/05/2020

16:03

Por: Assessoria de Imprensa

Fotos: Arquivo Pessoal

Professora da UPF aborda as mudanças sociais que foram e são ocasionadas quando epidemias e pandemias, como a da Covid-19, ocorrem

Ao longo da história, pandemias e epidemias assolaram a humanidade e forçaram mudanças significativas nos hábitos das sociedades, alguns dos quais persistem até hoje. No passado, a pouca informação e uma área científica que dava os primeiros passos para a compreensão de algumas doenças complicavam ainda mais as coisas. Hoje, mesmo com os avanços obtidos, algo parecido pode acontecer quando a pandemia da Covid-19 passar.

A professora da área de microbiologia da Universidade de Passo Fundo (UPF), Dra. Fabiana Tonial, conta um pouco desses impactos das epidemias e pandemias ao longo da história e também indica reflexos que esse momento pode ter no futuro. Confira a entrevista:

Assessoria de Imprensa - Como situações como epidemias e pandemias são capazes de mudar a sociedade e sua organização?
 

Dra. Fabiana Tonial, professora da área de microbiologia da UPF

Fabiana Tonial - Epidemias e pandemias são situações que exigem adequações imediatas de contextos sociais e econômicos para a preservação da vida, sendo que os impactos dessas medidas podem ser duradouros. 

Na rotina da comunidade, hábitos de higiene são intensificados e informações de métodos de higienização e desinfecção são amplamente divulgados. A teoria aliada à prática transforma a realidade nos lares.

Em sociedade, hoje, temos a distância física entre as pessoas como um sinal de respeito e a lição de que cada um precisa fazer a sua parte para o benefício de todos.  A vigilância e o monitoramento extrapolam as fronteiras da gestão em saúde e passam a ser observadas por todos indivíduos inseridos na comunidade. 

Adequação nos serviços, no comércio, na educação impulsionam a criação de novas estratégias que serão mantidas após a pandemia.

AI - Como isso muda a forma de cooperação na sociedade?
FT -
A necessidade da cooperação e da confiança tem impacto em todos os níveis de gestão, pois somente a comunicação integrada e coordenada entre todas as categorias permite a condução de medidas de contenção acertadas. A gestão em saúde por um sistema de vigilância e elaboração de relatórios, juntamente com dados clínicos e científicos respaldam ações de gestões executivas e administrativas. Instituições, bairros, municípios, estados, países se articulam e trocam informações buscando condutas que permitam minimizar os impactos maléficos da crise. Organizações internacionais coordenam estratégias de comunicação e alinham planos de pesquisa.

Ao mesmo tempo, o desenvolvimento científico e a capacitação técnica adquirem velocidade acelerada. Produção de vacinas, ensaios diagnóstico, tratamentos farmacológicos, capacitação de equipes, estruturação de laboratórios, hospitais, centros de atendimento demonstram a capacidade intelectual e organizacional que temos em tempo limitado. A duração e a magnitude de uma pandemia em curso são aspectos incertos, nessas situações podemos apenas esperar que as necessidades aumentem ao longo do tempo, por isso a importância da adaptação conforme a trajetória do processo. 

AI - Quais epidemias e pandemias tiveram maiores efeitos ao longo da história?
FT -
A praga, varíola, cólera e gripe espanhola foram pandemias de impacto histórico. Em destaque, a gripe espanhola, causada pelo vírus influenza, predispunha os pacientes a uma subsequente pneumonia bacteriana gerando altos índices de mortalidade. Estima-se que 50% da população mundial tenha sido infectada nessa pandemia que ocorreu em uma dinâmica de três ondas entre 1918 e 1919. O vírus influenza apresenta uma alta taxa de variação em suas proteínas de superfície, com isso novos surtos ocasionados por partículas virais mutadas foram identificadas em 1957 (H2N2), 1968 (H3N2) e 2009 (H1N1). 

AI - Em Passo Fundo, quais epidemias foram mais marcantes? O que elas mudaram?
FT -
A gripe espanhola chegou no Brasil em setembro de 1918 e na cidade de Passo Fundo em fins de outubro de 1918. Os hospitais da cidade construíram pavilhões para isolar os pacientes acometidos pela pandemia. Recursos médicos limitados e equipe técnica pouco experiente e informada resultou em disseminação da doença em profissionais da saúde. 

Em 2009 Passo Fundo vivenciou a pandemia ocasionada pelo H1N1, a estrutura hospitalar e os protocolos de atendimento foram adequados, o uso do antiviral oseltamivir como opção de tratamento desabasteceu o medicamento no mercado, que na época teve a sua venda restrita. A comunidade foi orientada quanto às medidas de controle de contenção do microrganismo e passou a utilizar o álcool como antisséptico e desinfetante, hábito que muitos adquiriram em sua rotina e mantiveram após o período de disseminação da doença. O uso de máscaras também foi recomendado em algumas situações. Muitos profissionais que hoje atuam em Passo Fundo contra a Covid-19 trabalharam na pandemia de 2009 e trazem essa experiência na decisão de condutas para o momento atual. 

AI - Com a Covid-19 teremos mudanças na sociedade pós pandemia? É possível imaginar o que esperar?
FT -
Individualmente e coletivamente todos tiveram que se adaptar a uma nova realidade. Muitos recursos que hoje foram adequados não terão caráter provisório e na retomada das atividades se somarão aos anteriores. Destaco o uso da tecnologia, que está permitindo a manutenção de atividades de ensino, de lazer, de serviços, de comércio. Na gripe espanhola, os relatos são de um tempo de total solidão, hoje a tecnologia nos aproxima e nos mantêm ativos.

As instruções de higienização e de prevenção de doenças infecciosas de transmissão por vias respiratórias mudaram alguns hábitos da comunidade, consequentemente é previsto um impacto na incidência de outras doenças que podem ser controladas com as mesmas medidas. A ciência responsável e a mídia sensata terão o seu reconhecimento.

Considerando que os descendentes do vírus influenza A (H1N1) que causou a pandemia de 1918-1919 têm persistido nos humanos por mais de 90 anos e as características dos coronavírus, é possível esperar novas ondas da doença. O comportamento dessas novas fases dependerá de como o microrganismo irá evoluir, da reação do sistema imunológico dos indivíduos à infecção, e das alternativas de tratamento e vacina desenvolvidas.