Literatura

Projeto Literatura em Diálogo promove debate e vivência da obra “O conto da Aia”

04/10/2018

16:04

Por: Assessoria de Imprensa

Fotos: Camila Guedes

Intervenções artísticas, provocações e debates sobre desigualdades nas relações sociais marcaram mais uma edição do projeto, que ocorreu na noite dessa quarta-feira (3)

O incômodo inicial provocado pela encenação de um necrotério logo na entrada do auditório não era à toa. Mais uma vez, a literatura estava cumprindo seu papel questionador. A ação foi apenas uma das intervenções que os acadêmicos do curso de Letras da Universidade de Passo Fundo (UPF) prepararam para vivenciar a obra “O conto da Aia” em mais uma edição do projeto de extensão Literatura em Diálogo, vinculado à Vice-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (VREAC) e ao curso de Letras. A atividade ocorreu na noite dessa quarta-feira, 3 de outubro, no Centro de Eventos da UPF e integrou a programação da V Semana do Conhecimento. 

Apresentando uma das obras literárias mais comentadas no mundo, o debate, que teve como tema “Desigualdades nas relações sociais e distopias do nosso tempo: o conto da Aia, da escritora canadense Margaret Atwood”, contou com a participação do coordenador da Divisão de Extensão da UPF, professor Dr. Marcio Tascheto da Silva (Pedagogia/Faed); e da professora Dra. Patricia Ketzer (Filosofia/IFCH), mediados pela coordenadora do projeto, Dra. Ivânia Campigotto Aquino. A reitora da UPF, professora Dra. Bernadete Maria Dalmolin, também acompanhou a atividade. A surpresa da noite foi a participação da tradutora da obra no Brasil, Ana Deiró, que, por vídeo, deu início ao debate.

Unindo as áreas de Literatura, Filosofia e Pedagogia, o encontro literário teve como principal objetivo contextualizar como o mundo distópico da ficção é tão próximo do mundo real, com temas que fazem refletir sobre a realidade: opressão feminina, medo, fundamentalismo religioso e política. Para isso, os próprios acadêmicos planejaram diferentes intervenções artísticas para colocar o público dentro da obra. “Nesta noite, nós ambientamos o espaço pensando na questão da violência contra a mulher e do sequestro à sua liberdade. Simulamos um necrotério na entrada e, na sequência, as meninas que representaram essas mulheres violentadas mostraram ao público que, no dia a dia, há mortes simbólicas também, não apenas a morte física. Elas vão lembrar das letras de música que agridem a mulher e que também são uma forma de matar a sua perspectiva social”, explicou a professora Ivânia. 

Além disso, houve apresentações musicais, uma simulação do tribunal que também é descrito no livro e a representação da personagem principal do livro, Offred, recitando trechos da obra. “As mulheres também receberam na entrada um lenço colorido; depois, elas foram incomodadas e tiveram que se reunir em grupos, simulando a distribuição das mulheres em castas. Fizemos, com isso, uma vivência da obra”, contou a coordenadora. 

A literatura provoca
Escrito em 1985, “O conto da aia” se passa em um futuro muito próximo e tem como cenário uma república onde não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes – tudo fora queimado. As universidades foram extintas. Também já não há advogados, porque ninguém tem direito a defesa. Os cidadãos considerados criminosos são fuzilados e pendurados mortos no muro, em praça pública, para servir de exemplo enquanto seus corpos apodrecem à vista de todos. Nesse Estado teocrático e totalitário, as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes.

De acordo com a professora Ivânia, a obra é reconhecida pela crítica literária como a principal distopia contemporânea que consegue se diferenciar das demais obras desse estilo porque, embora se projete para um futuro, há muito do presente nela. “Tem muito pouco de ficção científica e é uma obra que se fez em cima de experiências passadas e presentes. No momento da publicação, a escritora se sentiu amplamente influenciada pelo que vivenciou no Afeganistão, na década de 1970, e depois, com a guerra que se seguiu naquela região, ela percebeu o quanto a liberdade feminina estava sequestrada naquela cultura e viu quantas vezes a história repetiu isso”, destacou, falando que, em nome dos fundamentalismos postos na obra, são praticados, na humanidade, cerceamentos, limitações e imposições. “Há todo esse comprometimento à liberdade nas relações sociais, nas decisões políticas e a consciência disso vem sendo agora construída como que um apelo, porque não é mais possível se admitir tamanhas diferenças de gênero ou atrocidades que se cometem em função da questão de gênero”, disse. 

Para a professora, a obra também é tão rica quanto à estrutura e quanto à sua qualidade literária que a leitura se torna um incômodo. “É uma leitura muito difícil de ser feita. O leitor vem para esse momento com a leitura feita, vem preparado, mas vem incomodado, bastante preenchido de dúvidas, e nós estamos aqui para propor esse debate, fazendo esse diálogo com a educação, com a filosofia, para aprofundar esse universo ficcional que ela construiu”, observou, ressaltando que essa provocação é papel da literatura. “A literatura, além de dialogar com todas as áreas que compõem o pensamento, também conta a história da humanidade e, por isso, ela é provocadora. Tanto que há situações da sociedade em que se não fosse a literatura questionar passariam em branco, assim como certas versões da história. Ela é fundamental. Antônio Candido diz que ela é um direito fundamental do ser humano e que todos deveriam ter acesso”, finalizou. 

Sobre o projeto
O projeto de extensão Literatura em Diálogo nasceu da necessidade de incentivar a leitura e resgatar as obras clássicas de uma maneira diferente: a aproximação de um debate que traz interface com outras manifestações de arte. Com foco principalmente no público jovem, o projeto busca a construção de uma metodologia que apresenta o contexto atual para mostrar interesses comuns que permanecem na obra literária. Além de trabalhar com o cânone, o projeto também abre espaço para a literatura contemporânea.

O projeto de extensão Literatura em Diálogo integra o Programa Ensino e Inovação, desenvolvido no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UPF. A iniciativa conta com a parceria da Prefeitura de Passo Fundo, através da Secretaria de Educação, com a participação do Núcleo do Livro, Leitura e Literatura e da Biblioteca Pública Municipal Arno Viuniski. Entre as manifestações artísticas que fazem interface com o Literatura em Diálogo, estão a música, a dança, o teatro, o cinema e as artes plásticas.