Extensão

Um poema para Paulo Freire

07/11/2019

16:04

Por: Assessoria de Imprensa

Fotos: Natália Fávero

Abertura das VII Jornadas de Extensão do Mercosul (JEM) teve a presença do educador popular, Dr. Carlos Rodrigues Brandão, amigo de Paulo Freire

Inesperada. Assim pode-se definir a abertura da sétima edição das Jornadas de Extensão do Mercosul (JEM), ocorrida na noite de quarta-feira, 6 de novembro, na Universidade de Passo Fundo (UPF), que sedia a programação até o dia 8 de novembro. O palestrante da conferência de abertura, o educador popular, escritor e poeta, o carioca Dr. Carlos Rodrigues Brandão, pioneiro ao escrever a expressão educação popular no Brasil, em vez de se ater ao tema do evento “50 anos de extensão ou comunicação? Educação popular e extensão na América Latina”, foi além e trouxe para o encontro ninguém mais, ninguém menos, que o mais célebre educador brasileiro, Paulo Freire, que, embora tenha morrido em 1997, deixou ideias e concepções sobre a educação que parecem se eternizar.

Educador popular, escritor e poeta, Dr. Carlos Rodrigues Brandão

Em afeto aos quase 30 argentinos que participam das Jornadas, Brandão, aos seus 79 anos, fez uma coisa inesperada, como ele mesmo revelou. “Vou trazer para este encontro Paulo Freire, que foi meu amigo durante muitos anos. Mais do que isso, vou trazer Paulo Freire vindo de Buenos Aires. Vou explicar. Organizei um conjunto de memórias chamado ‘A pessoa de Paulo’, que é um apanhado de acontecimentos que vivemos juntos. Todo mundo conhece as ideias de Paulo, mas quase ninguém conhece a pessoa de Paulo”, revelou o educador, aos cerca de 350 inscritos no evento, vindos de 32 instituições de ensino superior de oito estados brasileiros e dos países da América Latina.

Brandão começou relatando a única vez que mentiu a Paulo Freire, quando, na década de 1980, o convenceu a participar de um evento não programado em Buenos Aires. Era uma conversa com educadores argentinos. Brandão falou que haveria apenas 10 participantes, no entanto, o evento tomou tamanha repercussão que reuniu mais de 4 mil pessoas. Freire falou uma hora e meia e declarou, em grande parte do evento, seu amor a Buenos Aires e ao Tango. Essa foi apenas uma de tantas histórias e experiências vividas ao lado de Paulo Freire, lidas no evento em espanhol, em mais uma das coisas inesperadas do educador.

Ao final das suas colocações, o palestrante leu um poema recente feito por ele em homenagem a Freire. “A barba branca aveludada, a pausada fala mansa, de quem escuta e então fala o que de outro ele ouvia, quando ensinando aprendia. E os gestos das mãos tão largos, como em festa, volteiam sobre quem esquece como bandeira de guia, e a sua palavra então chamava pra rua e pra luta quem sua fala calava, quem a coragem perdia, quem suas mãos abaixava, quem seu chamado esquecia”, declamou Brandão, aplaudido em pé pelos representantes extensionistas da América Latina.

A conferência foi mediada pela estudante extensionista da UPF, acadêmica de Psicologia, Maria Luisa Nolasco Dal Molim, e pelo vice-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UPF, professor Dr. Rogerio da Silva.

Modelo de extensão universitária
Brandão citou, durante a sua passagem pela UPF, um exemplo positivo de extensão universitária. Segundo ele, um modelo que está sendo implantado na Universidade de São José, na Costa Rica, seria a melhor extensão universitária da América Latina. “Lá, eles transformaram a extensão universitária em ação social. Qualquer aluno, de qualquer área, para se formar, tem que participar de pelo menos três meses de trabalho de ação social. A extensão social virou currículo. A proposta é fantástica. É um projeto completamente social. Grande parte da atividade de pesquisa e formação passa a ser uma quase diretriz das ações curriculares de pesquisa”, comenta o educador, salientando ainda que, nesse modelo, é a comunidade que informa o que precisa da universidade.

Pioneiro na expressão “educação popular”
Há poucos anos, Brandão descobriu que foi o primeiro a escrever a expressão educação popular. “Há dois anos, Oscar Jara (educador popular e sociólogo peruano) estava acabando a tese de doutorado dele e me escreveu: ‘Nunca descobri onde educação popular é escrita pela primeira vez’. Jara pediu a vários amigos, de diversos países, e ninguém descobriu. Foi o próprio Oscar Jara quem descobriu. Estava no meu livro e eu não sabia. Era a primeira vez que num livro aparecia educação popular”, revelou o educador.

Para Brandão, educação popular é uma educação que quer transformar a sociedade. “A educação popular é emancipadora. O lema dela é ‘Um outro mundo é possível’, que é nosso lema dos Fóruns Sociais Mundiais”, destacou Brandão, comentando que Paulo Freire não gostava da expressão educação popular. “Freire não gosta dessa expressão: ele usa educação libertadora, liberadora, emancipadora, questionadora, pedagogia do oprimido, pedagogia da indignação, pedagogia da esperança”, comentou Brandão.

Mesa completa
Foi a primeira vez na história das JEM que estudantes extensionistas participaram da mesa de abertura do evento. A estudante extensionista da UPF, Maria Luisa, que mediou a conferência de abertura, apresentou um manifesto realizado em uma das Jornadas, em 2017, e complementou. “Estar aqui me comove muito. É um momento que cumpre com o direito essencial dos homens e das mulheres, revelados a nós por Paulo Freire, que é o direito de dizer a palavra, de dizer a própria palavra a partir da posição que se ocupa no seio das sociedades. Palavra que, no nosso caso, está atravessada pela nossa condição de estudantes, de latino-americanos, e, mais importante do que tudo, palavra atravessada pelo sentir do sofrimento que é gerado a partir das desigualdades do mundo”, declarou a extensionista.

A reitora da UPF, professora Dra. Bernadete Maria Dalmolin, expressou todo seu carinho pelas Jornadas e a importância da união entre as instituições comunitárias de ensino superior. “Vocês não imaginam o quanto eu estou feliz. Que bom estar com vocês. Isso nos dá esperança, mostra que precisamos desse movimento, dessa força, alegria e energia para nos fortalecermos e fazermos frente a tudo que vem ocorrendo nos nossos países. Precisamos fazer que as nossas instituições possam continuar existindo e resistindo para fazer a melhor educação, aquela educação que de fato representa a necessidade de todos os povos”, ressaltou a reitora.

A troca de experiências entre os representantes das instituições é um dos fatores importantes do evento, que conta com a apresentação de mais de 200 trabalhos, oficinas, rodas de conversas, painéis, entre outras atividades. “As Jornadas são importantes para professores, alunos e comunidade. Para os estudantes, é de extrema importância conviver, observar o que é feito nas outras instituições, reforçando o seu conhecimento pessoal e a sua formação”, destacou o vice-reitor.

A pró-reitora da Universidade Vale do Paraíba, Maria Regina de Aquino Silva, presidente do Fórum Nacional de Extensão e Ação Comunitária das Universidades e Instituições de Ensino Superior Comunitárias (Forext), evento também sediado pela UPF entre os dias 5 e 6 de novembro, falou sobre as dificuldades enfrentadas na educação pelos países da América Latina, enfatizando que eventos como as Jornadas são motivadores para superar o cenário. “Num contexto político do Brasil e da América Latina de confrontos e de desrespeito às diferenças, falar a mesma linguagem, buscando o mesmo objetivo, nos dá ânimo, contribuindo para a transformação da sociedade, que é carente de conhecimento, não daquele que está no livro, mas do conhecimento acerca das questões políticas, econômicas, de toda base da sua sobrevivência”, comentou Maria Regina.

Também participaram da mesa de abertura o presidente da Fundação Universidade de Passo Fundo (FUPF), Me. Luiz Fernando Pereira Neto, o secretário de extensão da Universidad Nacional Del Centro de La Provincia de Buenos Aires, Daniel Herrero, e a estudante extensionista dessa mesma instituição, Ana Pia Recavarren.

O evento também contou com um Sarau Filosófico, apresentação realizada pelo projeto de Extensão Arché da UPF.

Sobre as Jornadas
As Jornadas fomentam o trabalho em rede e as discussões e os acordos que permitem fortalecer a extensão universitária, contemplando as particularidades disciplinares e, ao mesmo tempo, sustentando a extensão na perspectiva da integralidade e dos direitos humanos.  Elas são organizadas de forma conjunta pela Universidade do Centro da Província de Buenos Aires (UNCPBA), UPF, Forext, Secretaria de Políticas Universitárias dependente do Ministério Nacional de Educação da Argentina, Conselho Interuniversitário e Rede Nacional de Extensão Universitária Argentina. Na região latino-americana, as Jornadas têm o apoio da União Latino-americana de Extensão Universitária (ULEU) e da Associação de Universidades do Grupo Montevideo (AUGM).

A programação completa dos eventos está no site www.upf.br/jornadadeextensaomercosul.