Pesquisa e Inovação

Ruth Schneider: suas obras e sua forma de ver o mundo

11/07/2022

10:55

Por: Caroline Simor / Assessoria de Imprensa

Fotos: Arquivo MAVRS

Pesquisa desenvolvida na UPF buscou encontrar o olhar da artista passofundense sobre sua própria trajetória

Permear as fronteiras entre os diversos campos do conhecimento é uma das missões das pesquisas, sejam elas feitas em qualquer área. No campo da história, essa realidade traz desafios que motivam professores e estudantes. Foi com isso em mente que a Dra. Aline do Carmo desenvolveu sua pesquisa no Programa de Pós-Graduação em História. Orientada pelo professor Dr. Gerson Trombetta, ela trouxe a obra de Ruth Schneider para fora dos quadros e pinturas, fazendo uma leitura do trabalho dela por outro ângulo: o dos olhos da própria artista.

Ruth registra a inauguração do Museu que leva o seu nome

O trabalho desenvolvido por Aline, intitulado “Ruth Schneider: diálogos entre a artista e sua obra (décadas de 1980 e 1990)”, tem relevância não apenas no campo da história, mas no das artes visuais, uma vez que o estudo atua na fronteira entre as duas áreas. Ruth Schneider nasceu em 1943 e começou a pintar no final dos anos 1970. Sua trajetória de vida foi marcada por uma grande produção artística, tanto no âmbito regional, quanto nacional e internacional, realizada até 2003, ano em que faleceu, em Porto Alegre. Esse caminho e a sua importância para a cultura, motivaram a pesquisadora a dar seguimento à investigação iniciada no Mestrado, construindo sua tese para o Doutorado.

Uma leitura sobre as obras

A tese de Aline teve sua base no acervo disponível no Museu de Artes Visuais que leva o nome de Ruth Schneider. A pesquisadora analisou 74 fitas VHS, a maioria gravadas pela própria artista, e que narram sua percepção sobre as obras, além de comentários sobre sua trajetória de vida. “O trabalho da Aline aborda o olhar da artista sobre suas próprias obras e como ela foi tecendo sua identidade, entrecruzando elementos da vida com as produções artísticas. É um estudo da voz de Ruth Schneider narrando sua própria história e seu itinerário criativo”, comenta o professor Gerson.

Segundo Trombetta, a tese da Aline faz parte da ideia de colocar a obra de Ruth no debate sobre a produção artística nacional. Ele ressalta que Ruth foi uma artista contemporânea, que explorava novos materiais, com uma linguagem expressiva própria, com elementos não usuais na produção artística. Apesar de sua formação clássica, para o professor ela foi uma artista que rompeu barreiras, unindo-se a movimentos de vanguarda. “Muita coisa ainda poderia ser explorada, uma vez que a produção de Ruth Schneider é vasta. Em determinado momento, tivemos que estabelecer delimitações e escolhas, por isso, essa região de fronteira, entre história e arte, e até psicologia, pode ser ainda investigada por outros pesquisadores”, comenta.

Diversos tempos presentes na vida e obra de Ruth Schneider

A tese teve como objetivo investigar as narrativas presentes na vida e obra da artista, reunindo fatos pessoais e obras visuais. Aline explica que, por isso, ao invés de trabalhar com movimentos e datas, ela apresentou uma visão autoficcional de Ruth Schneider, construindo-a com base em temas como as “narrativas enviesadas”, o tempo

Desenhos feitos na década de 1980

e a memória, a arte e o espaço. “O doutorado foi uma continuação da pesquisa do mestrado. No mestrado eu analisei quatro obras da série Cassino da Maroca. Já no doutorado eu fiz uma análise da produção da artista como um todo, assistindo as fitas VHS que ela gravou (74 fitas VHS), onde narrou parte do seu processo criativo e também várias partes da sua vida pessoal. Assim, meu foco na tese foi a autoficção, unindo vida e obra da Ruth”, pontua Aline.

De acordo com a pesquisadora, a hipótese trazida pela tese é que são muitos os tempos presentes na obra de Schneider. “Um tempo é o meu, pesquisadora em frente às obras, documentos, vídeos; o outro é o da própria pintora e da sua produção artística, da técnica que utilizou, suas referências plásticas e estéticas; outro tempo é o da memória de Ruth e de minhas próprias memórias. Com o cruzamento dessas temporalidades, procurei as ferramentas mentais da artista, no tempo da produção da obra, para que sejam uma fonte de entendimento do que tornou possível aquela representação”, ressalta, destacando que o processo de construção da artista é permeado por táticas que foram sendo tecidas ao longo da sua vida, na experiência concreta com a arte. 

Conteúdo inédito feito pela própria artista

As fontes utilizadas para a pesquisa se constituem, centralmente, de arquivos audiovisuais, contemplando 74 vídeos VHS do acervo particular da artista. Segundo Aline, também foram analisadas fontes escritas, entrevistas e materiais iconográficos como quadros, esculturas, instalações artísticas, diários pessoais, jornais e materiais publicitários. “Ao analisar suas ideias, foi possível perceber como ela foi capaz de elaborar obras plásticas que justificam sua forma de existir, bem como sua história”, destaca. 

Para chegar a análise, Aline utilizou o método da história da autoficção, que é “ficção de acontecimentos e fatos estritamente reais”, segundo Doubrovsky (1977). Ela salienta que foi Vicente Colonna quem criou uma tipologia da autoficção, usando a autoficção biográfica como um tipo, em que a subjetividade substitui a sinceridade – graças ao mecanismo do “mentir-verdadeiro”. 

Artista incessante, Ruth Schneider literalmente conversou com suas obras, deixando o registro deste experimentalismo espontâneo em anotações e gravações audiovisuais. “Ela recortou, pintou, colou, furou e amassou os seus suportes. Desenhava com as mãos, gerando gestos inesperados que explodiam em cores fortes. Sempre pesquisando os processos da forma, utilizou materiais inusitados que estabeleciam entre si relações bastante singulares e criou uma quantidade expressiva de trabalhos que declaram a falência da hierarquia entre pintura, desenho, escultura ou instalação”, observa a pesquisadora.

Aline resume as descobertas entre história e estética da arte com uma fala da própria artista “A expressão do quadro tem que ser verdadeira, autêntica. Somente bonito x algo falso não funciona. O belo teria que ser sentido e vivido pelo artista, como modo essencial de compreender a própria vida, reinterpretado e revivido pelo expectador da obra”. (Ruth Schneider, 1992)