- 14:02
- 08/01/2015
- Geral
Jovens, os protagonistas do mercado de consumo
A juventude é uma fase de transição, permeada por incertezas. Conhecer o mundo ou economizar para o futuro? Comprometer-se com o financiamento de um carro ou andar de ônibus? A mordomia da casa dos pais ou a privacidade de morar sozinho? Todas essas escolhas envolvem dinheiro, tema que marca um constante dilema para os jovens. Os apelos do mercado estão por todos os lados, assim como também estão as possibilidades de crédito. Como a população jovem age nesse contexto? A Dra. Cleide Moretto, economista e professora da Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis (FEAC), traz, nesta entrevista, algumas respostas e novos questionamentos sobre a temática.
Como podemos descrever o jovem consumidor brasileiro?
No Brasil, essa faixa de consumidores envolve mais de 51 milhões de pessoas, quase 16 milhões de jovens entre 15 e 20 anos e mais de 34 milhões de 20 e 29 anos de idade, ou seja, 26,9% da população total recenseada em 2010. É uma parcela considerável, que, ou consome diretamente, ou influencia o consumo da família, e que costuma responder a marcas e serviços globais, como podem confirmar os holofotes do comércio internacional. Nosso país é um dos principais mercados consumidores do mundo!
Uma pesquisa divulgada no final de 2013, realizada pelo Núcleo de Tendências e Pesquisa do Espaço Experiência da Famecos/PUCRS, com 1.350 jovens, homens e mulheres, sobre seus hábitos de consumo, lazer e sonhos, identificou que a maioria dos entrevistados mora com os pais, de quem dependem financeiramente, ainda que 54,0% exerça algum tipo de atividade remunerada, o que demonstra que estão assumindo responsabilidades mais cedo. Sobre a classe de renda, identificou que quase metade deles pertence às classes B e C e evidenciou que gastam principalmente em alimentação, transporte, educação, festas e roupas. A mesma pesquisa indicou que, em relação ao dinheiro, 80,7% dos entrevistados deseja melhorar financeiramente e 7,7% diz estar “começando a entrar em pânico” com sua situação. Os jovens pesquisados, representativos das cinco regiões brasileiras, manifestaram não sonhar com riqueza, mas com conforto e simplicidade. Ainda, referem que buscam acumular experiências e não juntar patrimônio, querem conhecer o mundo (66,0%), ter felicidade no trabalho (47,9%) e desejam constituir família (38,5%). Para consumir, observam os lançamentos de produtos pela internet (92,0%), a televisão (52,4%); e a indicação dos amigos (67,9%) e sinalizam preferência por pontos de consumo centralizado, como shoppings e compras pela internet.
Em que cenário estão imersos os jovens consumidores?
Inicialmente, é oportuno destacar que estamos inseridos em uma sociedade de consumo: para pertencer, você deve consumir, e para consumir, você precisa ter renda. No entanto, mesmo quando não se dispõe de renda, existem formas que facilitam esse processo, as quais possibilitam que se consuma até mesmo a “moeda” que permitirá novos consumos. Portanto, nessa sociedade capitalista orientada para o consumo, nossos desejos, necessidades e expectativas estão sendo avaliados constantemente, em todas as classes, desde a mais baixa até a mais elevada, com o propósito de expandir ainda mais os mercados.
Percebemos que este é um processo que se autoalimenta e o faz em uma direção ascendente. Procure listar os itens que você consome em um único dia, em um mês, em um ano, em uma década. Agora, converse com o seus pais e veja quantos itens eles consumiam com a sua idade nesses espaços de tempo. Vá mais além e veja como os seus avós viviam. A diferença é imensa.
Qual a importância de aprender a lidar com dinheiro na transição para a vida adulta?
Considerando que vive uma etapa de descobertas, a juventude deve ser ponderada. Essa fase da vida se constitui como um momento em que buscamos uma identidade e, por isso, o autoconhecimento vem acompanhado por alternativas de inserção social e pela compreensão do espaço, portanto, envolve necessidades de experimentação, de associação, de independência, de responsabilidade e de aprovação. A autonomia precisa ser conquistada e o futuro, mais ainda do que o presente, é permeado por incertezas. E nesse sentido, pertinente ponderar: que certezas nós temos de que já passamos dessa etapa?
O modo como lidamos com a transição para a fase adulta tem impacto direto no modo como serão tomadas as decisões no futuro, bem como em nosso posicionamento no que diz respeito a assumir riscos e a superar desafios. O contexto socioeconômico é determinante para essa fase, e ter ou não recursos financeiros costuma transcender questões e situações de conflito pessoal e/ou familiar, o que configura a atual dinâmica social. Numa perspectiva intergeracional, podemos afirmar que as gerações X (30 aos 45 anos), Y (20 a 29 anos) e Z (12 aos 19 anos) sinalizam posturas distintas. A família, o grupo de amigos e o trabalho estão entre as suas principais preocupações. Os valores, como diferentes estudos evidenciam, continuam sendo transmitidos e apreendidos pelos jovens na/pela família, mas é nesses outros grupos que eles desenvolvem seus papéis, identificam lideranças, exercitam a lealdade, trocam afetos, fazem e desfazem laços.
Como o estilo de vida conectado se relaciona com o comportamento de consumo?
A tônica do jovem contemporâneo é: conexão, velocidade, inovação. Por isso, precisam estar on, precisam estar conectados e essa conexão deve possibilitar o acesso a tudo o que pode ser diferente, inovador. Sua essência, seus sentimentos, seu imaginário, passam pela possibilidade de pertencerem a uma rede de informação. Percebemos que a racionalidade econômica desse jovem consumidor tem como máxima a diferenciação. Para tudo isso, é imprescindível possuir o melhor equipamento, para ter a garantia de melhor acesso, e, ainda, para poder encontrar primeiro, sugerir, ser referência. Isso tudo está relacionado ao consumo de equipamentos que possibilitam o acesso a redes, tais como celulares, tablets e iphones, bem como ao consumo de serviços de acesso a jogos e à internet.
A cultura midiática costuma ser o vetor da socialização inerente a esse contexto, com os jovens entendendo o mundo por meio das imagens. Esse novo cenário permite uma nova tecnologia de consumo, imersa em um mercado repleto de ofertas sedutoras, com bens de consumo marcando a busca de identidades individuais e grupais. Adquirir e consumir coisas têm, de forma imediata, sido a tônica dos questionamentos dessa fase transitória: antes mesmo da resposta para “quem sou”, está em evidência “o que posso”, “o que tenho”, “o que pareço ser” e é por isso que os jovens costumam ser os protagonistas no mercado de consumo. Há que se chamar a atenção, contudo, que a relação entre o mercado e os jovens consumidores não é unívoca: as empresas estimulam/respondem na mesma velocidade a esses novos atributos do consumo.
O imediatismo é percebido nesse comportamento?
Uma característica que esses jovens herdadaram da cultura de consumo dos brasileiros é o pensamento voltado ao curto prazo. Nesse sentido, o Indicador de Educação financeira, pesquisa realizada pelo Serasa Experian juntamente com o Ibope Inteligência, traz, para o ano de 2014, informações importantes em relação à tomada de decisão: os jovens que têm entre 16 e 24 anos apresentam percentuais de concordância superiores quando comparados aos entrevistados com mais idade em relação: a ficarem mais satisfeitos em gastar dinheiro agora do que poupá-lo para o longo prazo; a comprarem parcelado em detrimento de esperar para comprar à vista; a admirarem pessoas que possuem bens (roupas caras e automóveis de luxo); a comprarem marcas que os amigos ou parentes irão aprovar; a comprarem sem pensar, tendo, estes últimos, uma proporção significativa em relação às demais faixas etárias.
Como os jovens lidam com o futuro?
Parte dessas gerações Y e Z conta com a poupança que os pais fazem ou fizeram. Essa realidade se confirma, principalmente dentre aqueles jovens que são oriundos de famílias de renda mais alta e cujos pais têm maior grau de escolarização. Poucos são os jovens que planejam o futuro num prazo maior e muitos são os que costumam recorrer ao crédito para adquirir hoje. Aqueles pertencentes às famílias de mais alta renda costumam contar com o auxílio dos pais, que organizam as suas finanças para dar conta das necessidades e dos desejos dos filhos, para assuntos relacionados desde aos estudos superiores, a estudos complementares e a intercâmbios no exterior, até aqueles concernentes à aquisição de um automóvel, por exemplo. Os demais, proporção não desprezível da população, aliam estudos e trabalho e, mesmo desejando ter seu próprio espaço, permanecem na casa dos pais para dar conta de suas despesas. No limite, esses últimos buscam atingir os níveis de consumo de sua geração. Não podemos ignorar essa realidade, no entanto, há que se abrir os olhos para o fato de que há outra sociedade que vai além do consumo.