Pesquisa e Inovação

Libras: aprendizado que garante inclusão e compreensão do mundo

05/05/2022

16:01

Por: Caroline Simor / Assessoria de Imprensa UPF

Fotos: Tainá Binelo

Tema de dissertação de mestrado no PPGL, a aquisição da Língua de Sinais para crianças surdas foi abordada como fundamento da constituição humana na linguagem

A comunicação é fundamental para a vida em sociedade. Com ela ocorrem a compreensão, a evolução e as relações. Neste cenário, saber se expressar, fazer-se entender, é parte fundamental de todos os processos. Foi pensando em tudo isso que Monique Giusti Reveilleau, professora e agora mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da UPF, defendeu sua dissertação e mostrou a importância da língua de sinais na constituição humana da criança surda.

Segundo Monique, a maioria das crianças não tem acesso à Língua de Sinais e, quando chegam em idade escolar, iniciam o aprendizado tardiamente. Para a professora, é preciso que a sociedade entenda que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é a primeira língua dos surdos. Como a língua materna, as crianças surdas, no Brasil, deveriam aprender Libras, assim como as crianças ouvintes aprendem português.

Para obter as informações, a pós-graduada realizou entrevistas na Escola Fagundes dos Reis, em Passo Fundo, produzindo vídeos com as crianças, pois, em sua opinião, era importante registrar as histórias sobre suas vidas, envolvendo o fato de serem surdas e, a relação com a família. Monique pontua que o que mais chamou a sua atenção foi o isolamento das crianças surdas durante a pandemia da Covid-19. “Como as crianças vivem isoladas no seu mundo - elas ficam sozinhas durante as férias -, quando voltam para a escola estão felizes por encontrar seus colegas surdos, porque elas se sentem iguais a eles, com o uso da mesma língua. De repente, tudo volta atrás e as crianças retornam para casa sem saber e sem entender o motivo, pois as famílias não souberam como explicar sobre a nova doença, uma vez que a maioria não sabe Libras”, relata, destacando o quanto essa realidade foi impactante para todos. “Eu fico imaginando: será que as crianças sabem o que está acontecendo no dia a dia na pandemia, no mundo inteiro? Não, não sabem! Elas são ingênuas e não têm conhecimentos sobre o mundo porque ninguém pode explicar. Como elas saberão por que usar a máscara e para que isso serve?”, conta, lembrando ainda que foi necessário mostrar alguns vídeos do YouTube para explicar a pandemia.

Promover a mudança cultural para ampliar o acesso à linguagem

Monique reforça que a pesquisa também tem como objetivo refletir sobre a importância da inclusão da Língua de Sinais como uma ferramenta de comunicação em todas as esferas. 

Conforme a pesquisadora, existe ainda muito preconceito com o diagnóstico e, por consequência, com a aprendizagem de Libras. “Muitos pais têm dúvidas se os filhos surdos devem adquirir a Língua de Sinais ou usar o Implante Coclear para poder escutar. Alguns preferem acreditar na clínica médica e não reconhecem Libras. Eles acham que, ao aprender Libras, as crianças não serão iguais aos ouvintes. Aqui em Passo Fundo existem crianças surdas implantadas incluídas nas escolas municipais, sem ter acompanhamento do tradutor/intérprete de Libras. Os pais sabem que existe a classe de surdos na escola Fagundes dos Reis, mesmo assim eles preferem que os filhos surdos estudem numa escola municipal regular sem ter contato com Libras. Infelizmente não podemos fazer nada”, comenta.

Com o título de mestre, Monique segue atuando como professora de Libras na escola e na UPF e pretende ampliar o seu conhecimento aprendendo inglês. Ela também pretende aprofundar o debate sobre o ensino da Língua de Sinais para crianças, buscando melhorar a compreensão da sociedade sobre o tema.

Partilha de conhecimentos e crescimento coletivo

Monique foi a primeira orientanda surda do Programa de Pós-Graduação em Letras da UPF. Essa realidade fez com que o corpo docente e técnico do curso buscasse recursos para melhorar o processo de aprendizagem. De acordo com a professora Dra. Marlete Diedrich, que orientou o trabalho, a situação exigiu a presença das tradutoras intérpretes nas aulas das quais Monique participou durante os dois anos em que cursou o Mestrado. “Monique tem Libras como primeira língua, sendo a Língua Portuguesa sua segunda língua. Como as aulas do Programa são dadas em Língua Portuguesa, foi necessária uma adaptação. Esta situação enriqueceu as discussões e metodologias das disciplinas, levando muitos professores a ampliarem o escopo das análises linguísticas empreendidas em aula, alcançando exemplos e aspectos não só das línguas orais, mas também das línguas visogestuais, como é o caso de Libras”, considera. 

Além disso, a professora considera que a presença das tradutoras da equipe do Saes, Josiane da Silva e Francine Pimentel, nas disciplinas e orientações, também  incrementou o trabalho, uma vez que a atividade de tradução passou a ser constantemente lembrada nas discussões teóricas empreendidas nos grupos.

Marlete explica que Monique pesquisou a importância da língua de sinais na constituição humana da criança surda, um tema que faz parte da área da aquisição da linguagem e da linha de pesquisa Constituição e Interpretação do Texto e do Discurso. “Ela realizou uma pesquisa narrativa configurada como estudo de caso e, em sua investigação, apoiou-se primeiramente na própria experiência de quem se constituiu, desde muito cedo, como pessoa surda, na Libras, além de acompanhar a vivência de duas crianças surdas, seus alunos no Colégio Estadual Fagundes dos Reis”, pondera, lembrando que a banca avaliadora do trabalho contou com as professoras Dra. Alessandra Vieira (Ufrgs) e Dra. Patrícia Valério (UPF).

Escrito em Língua Portuguesa, o trabalho foi destacado pela qualidade do estudo realizado. Segundo a banca, a pesquisa comprovou, com apuro e cuidado metodológico, no universo das teorias linguísticas, a importância da língua de sinais na constituição humana da criança surda. “Essa comprovação é de fundamental importância, uma vez que, como se sabe, muitas crianças surdas aprendem Libras tardiamente ou nem aprendem, condição que lhes rouba importante papel na sociedade, uma vez que a constituição humana se dá na propriedade simbólica da linguagem numa língua em particular. Somente com o acesso pleno a uma língua, como ocorre com a criança surda que aprende uma língua de sinais, é que ela poderá vivenciar de modo completo a experiência de troca e diálogo inerente à comunicação intersubjetiva que caracteriza o homem e a vida em sociedade”, conceitua a orientadora.

Durante o processo, a professora orientadora também teve que enfrentar desafios, uma vez que precisou estudar Libras para melhor se comunicar com a mestranda. “É de suma importância que as instituições de ensino se deem conta da necessidade do aprendizado de Libras entre seus profissionais e da riqueza da discussão em torno da língua de sinais. Nosso propósito, agora, é dar visibilidade à pesquisa da Monique, a fim de que mais pessoas conheçam o estudo e possam compreender a importância da investigação realizada. Em breve, a dissertação poderá ser acessada no repositório de teses e dissertações da biblioteca da UPF”, reforça.