Geral

Vivendo a doação de órgãos

15/09/2020

11:06

Por: Natália Fávero - Assessoria de Imprensa

Fotos: Divulgação: Arquivo pessoal

Pacientes e doadores de rim compartilham suas histórias neste mês de setembro, dedicado ao incentivo à doação de órgãos

Viver na fila de espera por um transplante de órgãos não é nada fácil. O agricultor Dilamar Braga, de 36 anos, conhece bem esta sensação: “Faço hemodiálise há oito anos. É quase o mesmo tempo que estou na fila de transplante esperando um rim”. O transplante pode ser a única esperança de vida para alguns ou um recomeço para outros. Neste mês, ocorre o Setembro Verde, uma campanha dedicada ao incentivo à doação de órgãos. Mas como é viver na fila de espera, como é a vida de um transplantado e como é ser um doador? Ou melhor: como é ser um “casal” doador? Isso mesmo, a história é sobre generosidade em dose dupla.
 
Para abordar a doação de órgãos, utilizamos como principal exemplo o transplante de rim, que é o mais realizado no Brasil, com cerca de 6 mil transplantes por ano. Para isso, contamos com o auxílio da Liga Acadêmica de Nefrologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo (UPF), que apresentou algumas histórias e comentou um pouco da realidade do transplante renal.

Como é viver na fila de espera?

   Agricultor Dilamar Braga

Quando os rins não conseguem mais dar conta de executar as suas funções, como filtrar o sangue para eliminar substâncias tóxicas do organismo, a terapia renal substitutiva (hemodiálise ou diálise peritoneal) é a única solução. A hemodiálise é uma máquina que funciona como se fosse um rim artificial. E todos os pacientes que esperam por um rim são submetidos a esse tratamento.
 
A rotina de hemodiálise inclui, na maioria das vezes, três sessões por semana, de aproximadamente quatro horas cada. Uma rotina inevitável e nada fácil. “Faço hemodiálise três vezes por semana em Passo Fundo. Saio às 11h de Pontão e retorno às 19h. Nunca desanimei, porque tenho o apoio de familiares e amigos e muita fé em Deus”, comenta o agricultor Braga, que mora em Pontão, a aproximadamente 50 quilômetros de distância de Passo Fundo.
 
Adaptações na rotina
Enquanto permanece na fila, a vida de uma pessoa que precisa de um transplante sofre muitas adaptações e algumas limitações profissional e física. “A hemodiálise exige cuidados, dietas e restrições de alguns alimentos. Em virtude da fístula (acesso vascular utilizado para a realização de hemodiálise), não posso fazer força com o braço. Sou agricultor, mas fico mais na administração da propriedade”, relata o agricultor.

“Tenho fé que vou transplantar logo. Quanto mais tempo dialisando, menores são as chances de um transplante bem sucedido, nossos órgãos vão ficando mais fracos, como por exemplo o coração, que pode apresentar problemas”. Agricultor Dilamar Braga, de 36 anos, que está na lista de espera por um transplante de rim.

Expectativa
Mas depois de oito anos na fila, a chegada de um rim parece estar perto. “Tenho um possível doador vivo. É recente. Como passou muito tempo e não transplantei, resolvi aceitar. Já fizemos o teste de compatibilidade e deu tudo certo. É preciso alguns exames ainda, mas o principal foi feito. Agora é só aguardar”, revela o agricultor.

E como é a vida de alguém já transplantado?

 Daiane Camargo Nunes Leal

 A professora Daiane Camargo Nunes Leal, 34 anos, de Lagoa Vermelha, realizou o transplante de rim há dois anos. Ela nasceu com apenas um dos rins (agenesia renal) e aos 16 anos, ao ter uma infecção urinária, foi diagnosticada com insuficiência renal crônica grau 4. Aos 32 anos, ela já tinha passado por cerca de 10 cirurgias.
 
O transplante
Em 2018, o problema renal da Daiane se agravou e ela precisou fazer hemodiálise durante oito meses. O transplante era a solução e o doador foi alguém bem próximo. “Meu primo, Evandro, se ofereceu para doar. Minha família é bem grande, mas ele foi compatível com quase 90%, quase um irmão. Meu primo me deu esta oportunidade de renascer, de viver e de contar para vocês o quanto eu sou grata e feliz”, declara Daiane.

"Meu primo me deu esta oportunidade de renascer, de viver e de contar para vocês o quanto eu sou grata e feliz”. Professora Daiane Camargo Nunes Leal, 34 anos, que realizou o transplante há dois anos.

Pós-transplante
Depois do transplante, Daiane teve algumas intercorrências e passou a dar mais atenção à saúde. Segundo ela, logo após o transplante, teve que lidar com alguns efeitos colaterais e esse processo também gerou adaptações. Passados dois anos do transplante, uma das certezas da professora é sobre a qualidade de vida. “Tem alguns cuidados, tem os medicamentos que são para a vida toda para manter esse rim funcionando, mas agora eu tenho qualidade de vida, que eu não tinha antes”, afirma a professora, que planeja retomar com força total a sua rotina de exercícios na academia.

Como é ser um doador? Ou melhor: como é ser um casal doador?

Casal doador: Silvane Zorzi e Evandro de Siqueira

Ao tentar contato com o Evandro de Siqueira, que realizou a doação de um rim para a prima Daiane, uma história ainda mais reveladora veio à tona. Evandro é casado com a funcionária pública, Silvane Zorzi, 43 anos, que também já foi doadora de rim. “Quando o Evandro tomou a decisão de ser doador da Daiane, eu apoiei e me senti muito orgulhosa pelo seu gesto. Eu também fui doadora de rim. Doei para meu pai no ano de 2001. Na época, nós tínhamos uma filha com um ano e meio e o Evandro respeitou e apoiou minha decisão”, explica a esposa de Evandro.

Dezessete anos depois foi a vez de Evandro se tornar um doador. “Acompanhamos de longe o caso da Daiane, com muita preocupação. Um dia nos encontramos. Olhei para minha esposa e, como já havíamos passado por uma situação igual, eu tive todo o apoio para enfrentarmos juntos novamente o desafio de ajudar alguém querido por nós”, relata Evandro, de 42 anos, que é eletricista industrial.

“Às vezes brincamos que temos que ficar a vida inteira juntos, porque eu só tenho o rim esquerdo e ele o direito, então juntos nos sentimos completos”. Silvane Zorzi, doadora renal, que é casada com o Evandro de Siqueira, também doador.

Sobre o transplante de rim
No Brasil, são realizados cerca de 6 mil transplantes de rim por ano. No Rio Grande do Sul, conforme dados da Central de Transplantes, são cerca de 500 por ano. Mas a fila de espera é significativa. São quase mil gaúchos aguardando por um transplante de rim.
 
O transplante renal pode ser feito com rins provenientes de pessoas que faleceram (doador falecido) ou com um rim doado por uma pessoa viva (dador vivo). “Independentemente da origem do rim que receber, o procedimento cirúrgico é o mesmo. Na colocação do novo rim, não será necessário retirar os outros”, revela a professora orientadora da Liga Acadêmica de Nefrologia da Faculdade de Medicina/UPF, Dra. Fabiana Piovesan.
 
Mais de 40 mil pessoas na lista de espera
Dados do Ministério da Saúde apontam que em 2019 foram realizados pouco mais de 27 mil transplantes. Desses, cerca de 9 mil se referem aos órgãos sólidos (coração, fígado, pâncreas, pulmão, rim) e outros 18 mil foram de córnea e medula óssea. Mais de 40 mil pessoas estão na lista de espera por um transplante.
 

Setembro Verde
A campanha Setembro Verde incentiva a doação de órgãos, que além de ser um ato de amor, é um ato democrático. “A doação é um ato muito democrático uma vez que normalmente nos perguntamos se seremos ou não doadores, mas também deveríamos nos perguntar se seríamos ou não receptores. Nunca sabemos de qual lado poderemos estar”, observa a professora da Liga Acadêmica de Nefrologia da Faculdade de Medicina/UPF, que ressaltou que durante as campanhas as doações aumentam, porém quando terminam as doações voltam a cair.
 
Esta campanha é uma forma de lembrar as pessoas sobre a importância da doação de órgãos para salvar vidas. “Por meio da campanha Setembro Verde são realizadas diversas ações e eventos para esclarecimento e conscientização da população sobre o impacto desse ato de amor ao próximo na vida de quem aguarda na fila por um transplante”, destaca a coordenadora de extensão da Faculdade de Medicina da UPF, professora Dra. Cristiane Barelli.


“Que a doação de órgãos não fique só neste mês, mas que seja uma reflexão diária. Não levamos nada da vida, exceto o que somos. O nosso corpo permanece aqui. Pode ser útil para salvar a vida das pessoas que estão na fila de espera. Informe seus familiares que você deseja ser doador”. Daiane Camargo Nunes Leal, que realizou transplante renal em 2018.
 

Como ser um doador?
Para ser um doador, é preciso conversar com sua família sobre o seu desejo de ser doador e deixar claro que eles, seus familiares, devem autorizar a doação de órgãos. No Brasil, a doação de órgãos só será feita após a autorização familiar.
Existem dois tipos de doador:
- Doador vivo.
Pode ser qualquer pessoa que concorde com a doação, desde que não prejudique a sua própria saúde. O doador vivo pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea ou parte do pulmão. Pela lei, parentes até o quarto grau e cônjuges podem ser doadores. Não parentes, só com autorização judicial.
- Doador falecido. São pacientes com morte encefálica, geralmente vítimas de catástrofes cerebrais, como traumatismo craniano ou AVC (derrame cerebral).
Fonte: Ministério da Saúde