Ensino

“A cultura é livre” é tema de Aula Aberta da FAC

21/06/2021

08:05

Por: Núcleo Experimental de Jornalismo/Edição: Assessoria de Imprensa UPF

Fotos: Divulgação

A Faculdade de Artes e Comunicação da Universidade de Passo Fundo (FAC/UPF) preparou uma programação especial para comemorar os 69 anos da unidade. As atividades, que iniciaram na sexta-feira (18), seguem nesta segunda-feira (21) com uma Aula Aberta Comemorativa com Léo Foletto sobre o tema “A cultura é livre”. O evento será transmitido ao vivo pelo Facebook da FAC a partir das 19h30min.

O palestrante é jornalista, professor, pesquisador e doutor em Comunicação pela UFRGS. Trabalha com comunicação/arte digital, cultura livre e tecnopolítica desde 2006. É idealizador e editor do Baixa Cultura e coordenador de comunicação no LabCidade, da FAU-USP e Chapter Leader do Creative Commons Brasil. É autor do livro “A Cultura é livre: uma história de resistência antipropriedade”, publicado pela Autonomia Literária/Rosa Luxemburgo, com prefácio de Gilberto Gil.

O Núcleo Experimental de Jornalismo (Nexjor) conversou com o jornalista sobre propriedade intelectual, tecnologia e NFTs. Confira a entrevista:

- Pensando nas relações entre propriedade intelectual e tecnologia, a novidade do momento é o NFT. Qual a tua avaliação sobre o boom de negociações que vem ocorrendo?

Foletto: O NFT tem sido usado por artistas diversos que querem dar um caráter de exclusividade a um arquivo digital que é, em sua essência, uma cópia. O que um colecionador obtém na compra de um NFT, por exemplo, é apenas o certificado de autenticidade e não uma obra em si. Ao contrário do que possa parecer, a obra não está gravada na blockchain. O NFT não é um arquivo de mídia, mas um conjunto de metadados (uma etiqueta) que aponta para esse arquivo armazenado em algum canto da Internet. A sua posse não garante direitos de reprodução ou exibição, nem mesmo a própria exclusividade, uma vez que o artista sempre pode criar outro NFT apontando para o mesmo arquivo (ou para outra versão dele), e o arquivo em si (uma imagem, um disco) pode também ser facilmente acessível na rede. O que é o caso do “Everydays – The First 5000 Days”, uma colagem digital do artista Mike Winkelmann, mais conhecido como Beeple, que foi leiloada por $69 milhões e continua disponível, para qualquer um ver. 

- Então, para que serve um NFT?

Foletto: Por enquanto, tem servido mais à especulação financeira do que como uma alternativa de renda para artistas e criadores. Como o tipo de posse que os NFTs codificam não tem hoje respaldo legal, e de um dia pro outro o seu valor pode evaporar completamente. A aceitação dos NFTs está ligada à credibilidade do mercado especulativo de criptomoedas - que, hoje é muito fugaz, varia de acordo com ações de pessoas ou empresas privadas, para fins muitos diversos. Acho que ainda é cedo para fazer prognósticos mais longos, precisamos observar mais. Mas me arrisco a dizer que se não atentarmos para alguns aspectos (especulação + desregulação + performance), poderemos ver eles potencializando mais uma tradição antidemocrática que ameaça obscurecer valores compartilhados de humanidade (como acontece com o espalhamento de fake news e suas nefastas consequências políticas) do que um movimento disruptivo em prol de justiça social. 

- Passado o primeiro impacto que a internet provocou na indústria fonográfica, acabando com o protagonismo do formato físico, tu achas que hoje as plataformas de streaming organizam melhor a distribuição de música?

Foletto: Não considero que organizam melhor, mas tornam mais fácil o consumo musical - de algumas músicas. Antes de plataformas de streaming de áudio como o Spotify e o Deezer, a distribuição de músicas na internet se dava de modo mais diverso, espalhada em blogs, sites e torrents (mesmo que de forma ilegal), o que tornava a escolha do que escutar uma tarefa mais autônoma de cada pessoa, que selecionava o que queria ouvir a partir de suas referências e interesses. Com a crescente digitalização de quase tudo, os algoritmos - sistemas técnicos automatizados e aprendentes, programados por pessoas - passaram a exercer maior influência no que escutamos, onde e como. Assim, o processo de escolha do que cada pessoa vai ouvir passou a ser mais “fácil” e menos autônomo, determinado pelos diversos dados - de horário, dispositivo, músicas relacionadas, feito pelos sistemas técnicos com alguma influência humana que não sabemos bem porque estes sistemas não são abertos - deixados pelos usuários destas plataformas. Em resumo: perdemos em autonomia e diversidade, ganhamos em praticidade. 

- De que forma o selo Creative Commons pode oferecer uma alternativa sustentável ao direito de propriedade, participando da economia da cultura?

Foletto: O Creative Commons é uma rede global empenhada em tornar o conhecimento livre a partir de licenças mais flexíveis que a tradicional “copyright”. Em vez de todos os direitos reservados como o copyright, em que qualquer ação precisa de autorização do titular dos direitos autorais da canção, “alguns direitos reservados”, ou até nenhum. É uma forma de tornar o processo do que fazer com determinada obra uma escolha dos artistas, e não algo já dado por seus intermediários (gravadoras, editoras musicais). Ele nasceu em 2001, quando a internet era muito diferente de hoje, e ajudou (e continua ajudando) a potencializar o acesso a muitos bens culturais - especialmente aqueles em instituições que são públicas, como museus, bibliotecas e escolas, e a partir de movimentos ainda atuantes como o Open Glam (galerias, bibliotecas, arquivos e museus abertos) em tradução literal, REA (Recursos Educacionais Abertos) e o movimento da cultura livre, que propõe uma mudança no modelo rentista de remuneração dos direitos em prol de equilibrar a balança entre acesso X remuneração dos artistas. Nesse sentido, o Creative Commons fomenta a economia da cultura ao trabalhar com o paradigma da abundância e não da escassez. Ou seja: estimula o acesso e diferentes formas de remunerações a partir desse bem acessível, e não da restrição proposta pelo copyright. Estimula a criatividade, a circulação e o acesso à informação e à cultura a partir da ideia de que se todos compartilham, todos ganham. Não oferece “tudo grátis”, como muitos já pensaram (também do copyleft, sua principal influência conceitual), mas “livre”, para diferentes usos - adaptação, distribuição, ao gosto do artista/criador. Suas licenças podem ajudar aqueles que buscam incentivar a reutilização de suas obras, oferecendo-as para uso público sob condições generosas e padronizadas; aqueles que querem fazer usos criativos de obras alheias; e aqueles que desejam se beneficiar dessa simbiose.