Jornada

Medos colecionáveis encerram a última conferência da Jornada

07/10/2017

00:17

Por: Assessoria de Imprensa

Fotos: Gelsoli Casagrande

Escritores Débora Ferraz, Julián Fuks, Mario Corso, Mário Rodrigues e Michel Laub participaram do debate, na noite de sexta-feira, 6 de outubro, no Palco da Compadecida

E a última conferência da 16ª Jornada Nacional de Literatura, na sexta-feira, 6 de outubro, debateu “Monstros e outros medos colecionáveis”. Participaram da mesa os escritores Débora Ferraz, Julián Fuks, Mario Corso, Mário Rodrigues e Michel Laub. Uma mesa em torno de um debate sobre o estado de espírito atual que parece ser comum a todos os moradores das grandes e pequenas cidades: a sensação de medo que domina as pessoas em casa, nas ruas, no trabalho e até mesmo na política. 

Os coordenadores de debates da Jornada, Alice Ruiz, Augusto Massi e Felipe Pena, cada um com sua característica, simplicidade e um intelecto indiscutível, mais uma vez usaram palavras, poemas e elogios para exaltar as Jornadas Literárias, uma das maiores movimentações literárias da América Latina, e, assim, receberam o carinho e muitos aplausos do público. Felipe Pena ressaltou que “Passo Fundo é o melhor lugar do planeta durante a semana da Jornada” e afirmou que, por ele, ficaria nos próximos dias e semanas na capital do Planalto Médio, que respira literatura. “Como é bom dormir e acordar falando sobre literatura”, disse Pena. Já Alice Ruiz, uma das maiores poetas brasileiras, enfatizou: “É uma felicidade nacional ter a Jornada de volta, que ela nunca acabe. Vocês são o calor da vida, da arte”, declarou a coordenadora de debates. Augusto Massi ressaltou o clima de despedida desta edição, destacou o tema da conferência – que se refere a lidar com as dificuldades, com os medos – e também enfatizou a qualidade dos convidados.

O psicanalista e escritor Mario Corso é um especialista no tema. Entre suas obras, está “Monstruário – Inventário de entidades imaginárias e de mitos brasileiros”, livro pelo qual recebeu a Menção Honrosa do Jabuti. Corso é psicanalista, membro da APPOA e Psicólogo pela UFRGS. Durante o debate, falou de diversos monstros e a construção deles, desde sereia ao zumbi. “Monstros estão aí para falar de coisas que a gente não consegue falar ou que não gosta de falar. Os monstros falam daquelas coisas que a gente tem dificuldade para falar e que supostamente ferem as pessoas”, comentou o escritor.

Outro que pode ser considerado um “especialista” no tema é o escritor Mário Rodrigues, que tem um livro chamado “Receita para se fazer um monstro”, no qual narra a construção de um sujeito desprovido de humanidade a partir de experiências dolorosas na infância, principalmente na família. “Este livro é sobre como esses ingredientes geram monstros, não necessariamente em suas atitudes, mas sobretudo por suas não atitudes. A infância sonegada é o principal ingrediente para gerar monstruosidades ou então apatia. Essa  violência, quando diária, passa a ser não só algo chocante, mas um dado da realidade, e essa realidade, mais cedo ou mais tarde, explodirá na vivência do outro. Muitas vezes esse comportamento se dá na linguagem e nas escolhas que fizemos”, explicou Rodrigues.

Tanto Mário Rodrigues quanto a outra participante da mesa, Débora Ferraz, são os vencedores do prêmio Sesc de Literatura. “Eu vinha pensando se eu teria algum tipo de medo, alguma coleção de medo e monstros que eu pudesse trazer pra vocês. Pensei que eu não tenho tantos medos catalogados, mas acredito no poder do susto. Quando você se assusta com algo ou com monstros, você é obrigado a sair da sua zona de conforto e é nesse sair do lugar do conforto que nasce a arte, que brotam novas formas de rever um mesmo espaço redimensionado e reorganizado”, opinou Débora. 

Julián Fuks, vencedor do Prêmio Jabuti em 2016 e considerado um dos melhores jovens escritores do Brasil, apresenta, na obra “A resistência”, os regimes autoritários como monstros e fala sobre a forma como essas relações opressoras repercutem na intimidade das relações afetivas e familiares. O escritor, ao ser questionado sobre a dimensão do que é real e do que não é, referendou que esse desafio de se defrontar o real tem se tornado uma questão fundamental de toda a literatura contemporânea e provoca os escritores em algo muito particular. “Para mim, essa questão se coloca como uma espécie de monstro. Quando comecei a escrever ‘A resistência’, comecei a me deparar com esse monstro. Isso desafiou o meu silencio de escritor. Eu venci e escrevi sobre esse meu monstro”, comentou. Em seu livro, Fuks também fala da ditadura, um monstro que, na opinião dele, se estende até hoje, em outro contexto. “O monstro da censura voltou muito mais recentemente com essas discussões do que é a arte e qual é o seu papel”, lembrou. 

Michel Laub, autor de “O tribunal de quinta-feira”, livro que traz os terrores da contemporaneidade, também tratou do tema ao comentar que vivemos uma crise semântica. Para o autor, há uma diferença muito grande entre a linguagem literal e a linguagem irônica. “A linguagem literal está muito presente quando a gente vê a representação de um homem pelado no museu e só consegue enxergar um homem pelado no museu, não vê a dimensão estética, dimensão artística que transcende o significado daquilo que a gente está vendo indiretamente em direção a outros significados”, relatou. Para o escritor, a arte faz justamente a operação oposta. “O que a arte faz é pegar uma realidade da vida que está dada como natural, como objetiva, e transformar em algo que não é aquilo, que pode ser feita de metáforas, de ironias, para fazer a gente olhar para aquela realidade de novo de uma maneira diferente da que a gente viu antes, mais crítica, irônica. A operação básica da arte é essa”, completou.

Show e espetáculo
A noite também contou com o show Poesia Eletrônica, com o músico, poeta e escritor pernambucano Lirinha. Num recital solo, Lirinha apresentou poesias faladas ao vivo com elementos pré-gravados, disparados por meio de um sampler. Além disso, o espetáculo denominado “Jornada de livros e sonhos”, da Cia da Cidade, encerrou a programação da 16ª Jornada Nacional de Literatura, emocionando mais uma vez o público. 

A 16ª Jornada Nacional de Literatura e a 8ª Jornadinha Nacional de Literatura são promovidas pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e pela Prefeitura de Passo Fundo. Os eventos contam com os patrocínios do Banrisul, da Corsan, da Ambev, da Companhia Zaffari & Bourbon,  da Ipiranga, da Panvel, da SulGás, da Triway e da TechDEC; com o apoio cultural da BSBIOS, do Sesi e da Coleurb; patrocínio promocional da Capes, da Fapergs, da Italac e da Oniz; com a parceria cultural do Sesc, financiamento do Governo do Estado – Secretaria da Cultura – Pró-cultura RS LIC e realização do Ministério da Cultura.