Universidade

Há pinhão, há charão: projeto atua há 25 anos na conservação da espécie

09/12/2016

16:49

Por: Alessandra Pasinato

Fotos: Divulgação/Projeto Charão

Com ações que iniciaram em 1991, grupo realiza pesquisas e monitoramento da população do papagaio-charão que habita a região sul do Brasil. Trabalho foi essencial na conservação do papagaio

Um compromisso com a conservação da natureza foi firmado em 1991 e, num esforço de longo prazo, tem contado, seguido, pesquisado, protegido e conservado uma espécie de papagaio ameaçado de extinção: o charão. Um notícia na capa de um jornal preocupou naquela época os cientistas: por onde andariam os papagaios da Estação Ecológica de Aracuri, localizada em Muitos Capões? A partir disso, uma equipe de pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade de Passo Fundo (UPF) e da Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA), coordenada pelos professores Jaime Martinez e Nêmora Prestes iniciaram um trabalho que há 25 anos mudou a história do papagaio-charão.

O projeto, desenvolvido com envolvimento de alunos de pesquisa e extensão da UPF, também reúne biólogos de entidades parceiras que, ao longo do trabalho de conservação, se engajaram na iniciativa de conservação da Floresta com Araucárias e sua biodiversidade. “Começamos com várias ações, além da pesquisa, que pudessem levar à conservação desse ecossistema típico do Sul do Brasil e que abrange uma grande riqueza de espécies”, comenta Martinez. Segundo ele, além do papagaio-charão, este ecossistema  também abriga outra espécie de papagaio, também ameaçada de extinção: o papagaio-de-peito-roxo. “As duas espécies utilizam, ao longo dos anos, o mesmo ambiente, principalmente quando a araucária produz pinhão, de março até julho”, comenta ele.

A investigação começou após o misterioso desaparecimento dos mais de 15 mil papagaios que se reuniam na Estação Ecológica de Aracuri. Encontrados em pequena quantidade em Passo Fundo e Carazinho, as aves motivaram o início do estudo, que logo identificou que a população do charão havia migrado para a região do planalto catarinense, em busca de alimento. “Em 1995, encontramos o grande bando em um região de araucárias em Santa Catarina. A partir de então, começamos uma série de trabalhos junto aos proprietários de terras e ao poder público para a criação de áreas protegidas para a Floresta com Araucárias”, conta o professor.

A partir da descoberta, houve um intenso trabalho de pesquisa, conservação e educação ambiental. “Monitoramos todos os anos a população. Temos registros sobre o tamanho da população do papagaio-charão ao longo de 25 anos, e somente assim podemos avaliar suas tendências de longo prazo. Quando começamos o projeto, havia cerca de  11 mil indivíduos e, após esses 25 anos, contamos com uma população de cerca de 20 mil papagaios, número que tem se mantido nos últimos anos”, destaca Martinez. O Projeto Charão acompanha todos os anos a reprodução e a migração dos papagaios, realizando o censo e monitorando de perto seu ciclo biológico. A área de trabalho com o papagaio-charão trabalho vai desde Caçapava do Sul e Santana da Boa Vista, no sul do Rio Grande do Sul, até Urupema e São Joaquim, no sudeste de Santa Catarina. O apoio de instituições como a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, o Fundo Nacional para o Meio Ambiente e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), tem sido fundamentais para manter as atividades de pesquisa e conservação a campo.

A experiência reunida há 25 anos com o papagaio charão permitiu, há 10 anos, o início de uma pesquisa e monitoramento também do papagaio-de-peito-roxo, cuja situação de ameaça é ainda mais grave. “Propomos a realização de um programa nacional para conservação desse papagaio”, esclarece Martinez, comentando que, diferentemente do charão, que se concentra no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o papagaio-de-peito-roxo está mais disperso, indo até Minas Gerais, onde há remanescentes de Florestas com Araucárias.

Papagaio-de-peito-roxo

O papagaio-de-peito-roxo é considerado uma espécie ameaçada a nível mundial, estando na categoria “em perigo”. A experiência do grupo que há 25 anos trabalha na conservação do charão será importante para a condução deste programa que será executado no período de 2016 a 2020.  A condução do programa conta com cooperação internacional de países como a Argentina e o Paraguai onde a espécie também é encontrada. Neste ano, foi realizada a contagem mundial do ameaçado papagaio-de-peito-roxo, com o intuito de avaliar a situação e a tendência populacional dessa ave, que teve sua população reduzida drasticamente nos últimos anos.

A contagem identificou que o Paraguai concentra cerca de 100 indivíduos da espécie, a Argentina pouco mais de 200 e, somando à população brasileira, não passam de quatro mil papagaios-de-peito-roxo. No país, a concentração da ave se dá no Planalto Catarinense, onde há maior ocorrência de araucária, que alimenta não só o papagaio charão e peito-roxo, como também outras dezenas de espécies animais, onde o pinhão está na base de suas cadeias alimentares. “O projeto fez um esforço internacional, reunindo fundos para a aquisição de uma área de 42 hectares no município de Urupema, em Santa Catarina, com boa cobertura de floresta com araucárias. Graças ao apoio da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) da Holanda, e da associação Rainforest Trust dos Estados Unidos, essa compra tornou-se realidade. Essa área está em tramitação para ser transformada em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Papagaios-de-Altitude. Assim, ao protegermos o papagaio-charão e o papagaio-de-peito-roxo, estaremos em caráter perpétuo ajudando muitas espécies da fauna e da flora que ocorrem nos pinheirais do Brasil", diz Martinez.

Resgate do pinheiro brasileiro

Integrando as ações do Projeto Charão, uma das atividades que literalmente tem produzido frutos são os cursos promovidos para professores da educação básica, onde é realizado um resgate sobre a importância do pinheiro-brasileiro para as comunidades do sul do Brasil. “Os jovens não tem mais na paisagem a araucária como tínhamos antigamente e não tem ideia do que esta árvore representou para a sociedade, tanto do ponto de vista econômico, como pela sua importância histórica, social, ambiental, cultural e gastronômica”, aponta Martinez.

A primeira edição foi realizada em 2006, no intuito de fazer um resgate da importância da araucária com professores das regiões de maior concentração da árvore e, a partir do curso, foi promovido um trabalho multidisciplinar junto aos alunos, que implementaram seus viveiros e plantaram as mudas de pinheiro, auxiliando na disseminação da araucária. Mais de 150 municípios já participaram do curso, que teve a segunda edição em 2013 e a terceira em 2015, ampliando a abrangência também para Santa Catarina. Pelo Programa Nacional para a Conservação do Papagaio-de-peito-roxo, o curso será realizado em 2017 em São Paulo e Minas Gerais.

Publicações

Além de todo o trabalho de conservação da biodiversidade, o projeto Charão também busca a geração de conhecimento para subsidiar escolas e universidade. “As aventuras do papagaio charão em quadrinhos” foi um livro editado para levar a ciência de forma lúdica às crianças de escolas de toda a região. A obra em quadrinhos, editada pela UPF Editora, também está disponível em E-book.

Para a academia, outro livro foi editado: “Biologia da Conservação – estudo de caso com o papagaio Charão”. Com cunho científico, a obra mostra a metodologia e as estratégias utilizadas pelo projeto. “Temos experiência com espécies ameaçadas em termos de estratégia para enfrentar a extinção da espécies”, relata Martinez.

Conservação

A fim de criar políticas públicas para conservação da biodiversidade, o Projeto Charão também tem buscado aproximação com o poder público. “Temos ganho em termos de abrangência e território. Avançamos, porque o papagaio charão está dentro do Plano de Ação Nacional para conservação dos papagaios (PAN Papagaios), do Ministério do meio Ambiente.

O projeto mantém ainda um criadouro científico junto ao Zoológico da UPF, que é o Centro de Reprodução de Psitacídeos Willian Belton, onde o projeto realiza estudos de cativeiro, como detalhes da reprodução e comportamento de ambas as espécies de papagaios, sendo conduzido com a participação de acadêmicos e a coordenação da professora Nêmora Prestes.