Um prédio, muitas histórias, variadas memórias...

Edificações dos séculos pregressos ainda resistem em meio à expansão imobiliária e demográfica de Passo Fundo. Apesar da crescente verticalização citadina, que teve ímpeto nas décadas de 1960 a 1980, ainda vemos alguns vestígios do que fora a Passo Fundo de outrora, constituída por casarões, pela estação ferroviária, pelas igrejas e templos, pelo conjunto arquitetônico do Espaço Cultural Roseli Doleski Pretto (estabelecido pela Lei no. 4097/2002), pelos hotéis, hospitais, escolas e outras construções. Desse relativo “bota abaixo” vivenciado por décadas na cidade, vemos também “tombar” muito das memórias vinculadas a locais de referência identitária dos que vivenciaram a Passo Fundo de outrora. Ainda hoje é comum ouvirmos referências aos prédios a partir de seu uso passado, situação que nos mostra o quanto a memória coletiva é afeita a rememorações muito mais sentimentais do que racionais.

Do que restou das edificações que constituem a formação histórica de Passo Fundo, vemos com destaque o atual prédio do Teatro Municipal que, depois de décadas de uso intenso, está passando por uma justa e meritória reforma. Sua imponência, articulada aos demais prédios vizinhos – da Academia de Letras e dos Museus – constituem um raro exemplo de arquitetura de fins do século XIX e início do XX ainda mantidos na cidade. Mais do que marcas visíveis, edificadas, os prédios formam importantes cenários para a história local, consolidando ainda mais sua importância material e imaterial. O atual Teatro, especificamente, foi construído em fins do século XIX para sediar o Clube Dramático Passo-Fundense. Findado em 1889 para este fim, posteriormente serviu também como sede do Poder Judiciário, do Clube Social e Político Pinheiro Machado (que anos depois se mudaria para sede própria, em prédio ao lado, na atual Academia de Letras) e para o jornal O Gaúcho.

Esta diversidade de entidades que foram abrigadas na edificação expressa também as mudanças significativas, as tensões e conflitos por que passou a cidade no contexto de instauração da República (1889), da Revolução Federalista (1983-1985) e da Revolução de 1923. Anos depois, ainda em razão da instabilidade política vigente com a ascensão de Getúlio Vargas e as contestações da Revolução Constitucionalista (1932), o espaço foi ocupado pelo Colégio Elementar, situação que se manteve até 1940 quando para esta edificação foram transferidos o Poder Legislativo – Câmara Municipal de Vereadores, que permaneceu ali até os anos 1970. Instaurada a Câmara na atual sede, junto à Prefeitura Municipal, novamente o espaço passa a ser utilizado por entidades como a Coordenadoria da 7ª. Região Tradicionalista do MTG e a União Passo-Fundense de Estudantes.

A situação se altera na década de 1990, quando do tombamento dos prédios dos Museus, Teatro e Academia de Letras (Lei no. 2608/1990) e com a inauguração definitiva do prédio como Teatro Municipal Múcio de Castro em 04 de dezembro de 1991. À ocasião,  Volmar Santos destacava que o Teatro “será (...) um orgulho a todos nós passo-fundenses que agora temos um local realmente em condições de realizarmos grandes espetáculos culturais” (O Nacional, 03/12/1991). Desde então o mesmo se constitui como espaço privilegiado para o desenvolvimento e divulgação cultural do município e retoma, praticamente um século depois, o fim inicial de ser palco de espetáculos, como objetivava o Clube Dramático local em fins do século XIX. Sua reinauguração já está marcada para 15 de maio e, numa analogia ao seu uso cultural, desejamos que o Teatro Municipal “quebre a perna”!

Profa. Gizele Zanotto (PPGH/UPF)