O “defensor da democracia”

“Como age o comunismo”. Com este título a revista Ação Democrática anuncia aos leitores um artigo ao mesmo tempo pedagógico e operacional, já que preconiza que o “verdadeiro democrata”, conhecendo pelo menos um dos cinco principais pontos da ação comunista, teria aguçado seu senso de ação contra tal perspectiva doutrinária. A publicação foi produzida pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), entidade fundada por Ivan Hasslocher em 1959 para defender a democracia e lutar contra o comunismo em tempos da bipolaridade decorrente da Guerra Fria e da atuação de movimentos revolucionários, como o ocorrido em Cuba, com liderança de Fidel Castro e Che Guevara, que depôs o General Fulgêncio Batista do poder. O AHR dispõe de cinco edições da revista (uma edição de 1960 e quatro de 1962), que podem ser consultadas gratuitamente pelos interessados e que auxiliam na compreensão de um período tão caro à história do país: os antecedentes do golpe que instaurou a ditadura militar em 1964.

O artigo discorre sobre a natureza do comunismo, o Partido Comunista, as ações e fontes de financiamento dos grupos esquerdistas e foi publicado na edição de abril de 1962, durante o governo de João Goulart (1961-1964). O texto (não assinado) assume claramente a postura anticomunista difusa pelo chamado bloco capitalista ao remeter qualquer tentativa de defesa do comunismo à expansão do que denominam expansionismo ou imperialismo soviético, “um lustro da política russa”. Junto a isso há destaque para as formas de atuação não exclusivamente realizadas pelo Partido Comunista. Seus “braços” seriam ampliados pela ação de adeptos não filiados ao partido que “fazem parte de aparatos subterrâneos” e que promovem ações de espionagem e sabotagem, de agitação e propaganda, em prol de sua ideologia, de “interesses alienígenas totalitários”, e não nacionais destaca o texto.

Segundo o/s articulista/s, “O ingresso de comunistas confessos nos órgãos de serviço público ou autárquico (...) é facilitado pelos membros secretos os aparatos que agora detêm tantos e tantos postos de responsabilidade administrativa”. Ao defender tal perspectiva, Ação Democrática critica a ascensão de funcionários aos postos de governo no contexto presidencial de João Goulart, amplamente criticado por grupos direitistas pela sua pretensa vinculação ao comunismo internacional.

Esta foi apenas uma amostra do teor vigoroso de repreensão ao governo de Goulart que vemos nas revistas consultadas. Tal posicionamento explicitamente contestatório acabou por auxiliar na configuração de um clima de tensão latente sobre as ações governamentais e que, unido ao discurso contrário ao governo vigente então e difundido por outros órgãos de imprensa, entidades e grupos de oposição, auxiliaram a conformar um ambiente mais afeito a aceitação da tese do avanço comunista no país e, em decorrência, na legitimação do golpe de 1964 como aceitável ou mesmo necessário (mesmo que para isso a democracia tenha sido suspensa e um regime de exceção ditatorial instaurado).

Folhear as páginas de Ação Democrática é tomar contato com uma miríade de argumentações antigovernistas e, portanto, conhecer com maior profundidade as posições em conflito político no contexto pré-golpe. O IBAD teve suas atividades investigadas por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e foi suspenso em duas ocasiões, no ano de 1963, pouco depois foi dissolvido. Sua obra, no entanto, permaneceu ao articular bandeiras caras a outros grupos de direita e reverberar o anticomunismo professo em suas várias formas e meios de atuação.

Gizele Zanotto
Professora do Curso de História/UPF
Fonte: Acervo do AHR
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