“Burros sem rabo arrancando tatus”

Atualmente, seria muito difícil classificar uma aventura, ou até mesmo como viagem, o trajeto de 42 quilômetros entre Passo Fundo e Carazinho. E mesmo não era uma grande viagem na primeira metade do século passado quando então os principais meios de locomoção eram o carro de boi e o cavalo. Porém uma curiosa “Chronica de viagem”, publicada na capa do jornal O Nacional, da cidade de Passo Fundo, no dia 10 de outubro de 1928 de autoria de Carlos Vieira, aponta os percalços passíveis a quem desejasse se aventurar em uma viagem com um veículo ainda estranho como o automóvel para a paisagem da capital do Planalto Médio.

Logo de início o autor já nos espanta quando justifica o motivo do título da publicação uma viagem, de oito horas em automóvel, bem merece uma referência especial, precedida do pomposo título de “Chronica de viagem”. Após essa explicação, é citado que foram três os participantes e já partindo à descrição da viagem, planejada em saída e retorno para o mesmo dia, comentando essa indefinição quanto ao tempo, por uma ácida fala sobre a situação das estradas de rodagem. Esse prazo bastante largo para o percurso é logo comprovado pelas descrições dos três momentos em que eles se veem com o veículo enterrado em um atoleiro, sendo os dois primeiros atolamentos próximos à localidade de Pulador. São curiosos e cômicos os comentários sobre a busca por auxílio para desatolar o automóvel – “arrancar tatu” na gíria da região – onde o único recurso era dirigir-se a alguma propriedade, precisando passar por coxilhas e charcos com trajes típicos de um citadino, para encontrar o auxílio das juntas de bois e, quando não bastassem, fazerem a vez de “burros sem rabo” empurrando manualmente.

O texto delineia-se em uma sutil crítica ao então intendente municipal por meio do ataque ao estado que se encontravam as estradas do município, quando em certos trechos descreve o cinesiforo – aquele que conduz veículos automotores – como alguém que “têm predileção accentuada pelos buracos e lamaçaes” que na conclusão do autor, serviria de argumentos para a crítica ao governo vigente.

E, quando relata que o regresso demorou duas horas, não se exime de um comentário sobre os solavancos sofridos no trajeto e deixando margem para a necessidade de futuras melhorias. Um ponto curioso é que, em um texto assinado por seu autor e no qual os acontecimentos são relatados com tantos detalhes, o chauffeur não tem seu nome divulgado, mas é citado apenas como bacharel. Assim, se poderia inferir que a ideia central do texto, mesmo sendo cômico e leve, seria a de uma crítica à administração pública.

O tema sobre a locomoção é recorrente e visível tanto no período do texto quanto atualmente, sendo o problema de sua constante precariedade uma pauta que orbita sempre a discussão política e popular. O meio jornalístico é, ainda, utilizado como polo de divulgação desse tipo de questão, bastante problemática, no qual possibilita a circulação de ideias populares de forma ampliada.

Pedro Alcides de Mello
Graduando História – UPF
Fonte: Acervo AHR

*O AHR destaca que os artigos publicados nessa seção expressam única e exclusivamente a opinião de seus autores