O Saladeiro

25 de julho de 2011

SALADEIRO SÃO MIGUEL: uma charqueada passo-fundense.

Em 1914 a firma J.J. Magalhães & Cia. iniciou as atividades saladeris em Passo Fundo, tendo como local escolhido para a sua implantação a região conhecida como Umbu, próximo a Pulador.

Estando a cidade de Passo Fundo geograficamente situada na região do Planalto Médio e no interior do Estado, ou seja, sem litoral e observando que o modo tradicional e mais utilizado de escoamento da produção na época era o marítimo, seja pelos gastos com os fretes ou pela dificuldades do transporte rodoviário ou a pé, que emagrecia o gado e que era moroso, era preciso buscar outra forma de escoar a produção da charqueada passo-fundense.

Assim, para solucionar este problema o Saladeiro de São Miguel foi estabelecido às margens da linha da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, isso facilitou a distribuição de seus produtos para o seu mercado interno e consumidor do centro do país.

Ainda não se pode esquecer de outro fator importante para a constituição de uma charqueada interiorana e fora do eixo principal – no caso, fronteiriço e litorâneo no Estado: a grande quantidade de gado aqui existente, aproximadamente 65.000 cabeças.           

No contexto geral, a indústria saladeiril alternava momentos de prosperidade devido à queda dos preços ou a falta do produto no mercado interno do país e a consequente demanda do mesmo com períodos de crise, reflexo de uma economia fraca e dependente do centro, que enxergava na figura do café o único produto forte e de comercialização no exterior. Entendia-se que o charque gaúcho era apenas um alimento considerado de subsistência e que deveria ter um valor acessível à grande massa da população.

No que diz respeito ao Saladeiro de São Miguel, a sua produção na fase inicial foi de aproximadamente 10 mil cabeças de gado abatidas anualmente e exportadas para os principais centros como Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco. O Saladeiro comercializava em média 850 mil quilos de charque por safra, uma soma nada inexpressiva para uma empresa, que no início, era basicamente artesanal, não era provida de luz elétrica, nem água encanada e que dependia das linhas do trem para escoar sua produção. 

Anos mais tarde, houve a ampliação da empresa, com a adesão na sociedade do pecuarista Jonathas Waihrich e do investidor Domingos Lopes, época em que a charqueada passou a ser denominada como Magalhães, Lopes & Waihrich. 

Após essa união e a ampliação do seu poderio econômico, o Saladeiro de São Miguel passou por um processo de modernização e ampliação de suas instalações, tudo isso visando qualificar o estabelecimento diante dos concorrentes e ainda acompanhar o processo capitalista de produção que estava em andamento no país. 

A partir de então, passou-se a investir no Saladeiro em maquinarias tais como, caldeira de pressão, motor para serra, trole, motor para fornecedor de luz, dínamo com correias, guincho, serra circular, depósito de ferro para água, motor para puxar água, manômetros, depósito de vapor, ferraria completa, carroças com quatro rodas, entre outros.

No ano de 1927, Passo Fundo estava em 15º lugar no Estado em quantidade de bovinos com um rebanho de aproximadamente 196.500 cabeças de gado, contudo, o Saladeiro de São Miguel também sofria com a crise, pois a mesma trouxe a diminuição da procura do produto. Ocorre que o charque estava se acumulando, e parado em seu estabelecimento, onde as pilhas só aumentavam. Esse era o primeiro indício de prejuízos na indústria charqueadora e consequentemente do Saladeiro.

Mas o desfecho para a charqueada passo-fundense seria outro. Em meados de dezembro de 1931, à meia noite, após a passagem do trem de passageiros o Saladeiro de São Miguel incendeia e as chamas o consomem por completo. Neste fatídico episódio de destruição são perdidos maquinários, casas, equipamentos e todo o depósito de charque que possuía em seu estabelecimento. Segundo relatos, o fogo teria iniciado com as fagulhas do trem de passageiros que por ali passara. 

Assim, o entreposto comercial saladeiril de São Miguel decreta a sua falência no ano de 1932, e põe a leilão o que restou de sua estrutura, como terras e imóveis, pois era necessário pagar o sinistro para que os seus proprietários recebessem o valor da apólice de seguros que haviam feito há aproximadamente um ano antes do acontecido. 

Quanto à vila que existia ao redor do Saladeiro e ao entreposto comercial, composto por depósito de madeiras, moradias, armazéns que ali existiam, foram gradativamente se extinguindo como as chamas que consumiram com a empresa comercial ou indústria saladeiril que antes se situava naquele lugar.

Daniel Ricardo Damiani
Acadêmico do Curso de História
Imagem: Funcionários do Saladeiro São Miguel
Acervo particular João Carlos Wahrich Neto
Fonte: Acervo AHR
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